🔎Não há limites para a indignidade dos golpistas
#185: Criminosos criam vaquinha falsa para se aproveitar da morte de Juliana Marins
Oi, Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa, por aqui. Hoje não tem meias palavras para dizer do que se trata a Lente da semana: vamos falar da sordidez humana. A repórter Gabriela Soares mostra como estelionatários se aproveitaram da morte trágica da jovem Juliana Marins, na Indonésia, para ganhar dinheiro. E pior, como a Meta também lucrou com a circulação do golpe mesmo após a morte dela ter se tornado um fato público. Eu sei que o tema é difícil, mas também é importante. E por isso agradeço a leitura. Daqui desse lado desejamos um bom fim de semana a todos.
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Urubus: como a tragédia de Juliana Marins foi explorada por golpistas e rendeu lucro às plataformas
Em 20 de junho, a carioca de 26 anos Juliana Marins caiu de um penhasco no Monte Rinjani, na Indonésia. Acidente que, somado à demora para o resgate, acabou causando sua morte. A ineficiência das autoridades locais transformou o caso em um drama que incendiou as redes sociais com hashtags de apoio e apelos por socorro. Na esteira dessa comoção, golpistas converteram a solidariedade coletiva em lucro — para eles e para a Meta (empresa dona do Facebook, Instagram e WhatsApp).
Os criminosos usaram o nome da vítima para divulgar, a partir de anúncios pagos na Meta, falsas campanhas de arrecadação para trazer o corpo da jovem de volta ao Brasil. O esquema, desmentido pela Lupa no dia 26 de junho, se aproveitou da indignação legítima da opinião pública em torno do debate que ocorria a respeito de como seria financiado o transporte do corpo de Juliana da Indonésia ao Brasil.
Isso porque, um dia após a confirmação da morte (25), o Itamaraty informou que, por questões legais, não poderia arcar com os custos da repatriação. A situação, no entanto, foi contornada na tarde seguinte (26), quando o presidente Lula determinou que o Ministério das Relações Exteriores assumisse a responsabilidade pelo traslado.
Nesse intervalo, porém, criminosos já haviam enxergado a janela de oportunidade que se abriu com a tragédia: “Família de Juliana Marins faz vaquinha para trazer corpo da jovem ao Brasil”, dizia um dos anúncios falsos identificados pela Lupa.
As fraudes em torno do caso começaram a circular nas redes no próprio dia 24 de junho, data em que foi confirmada a morte da jovem. Naquele mesmo dia, a família publicou em perfil no Instagram — criado para lidar com o tema de forma oficial, se distanciando de golpistas e desinformação —, um primeiro comunicado negando qualquer vaquinha.
Mesmo após o alerta e com o fato sendo amplamente coberto pela mídia, os anúncios continuaram circulando. No dia 25 de junho, a família precisou, em meio a toda dor, se preocupar em reforçar a negativa com uma nova postagem. Em letras garrafais, alertou novamente: “NÃO TEMOS VAQUINHA ABERTA NÃO DOEM!”.
A checagem da Lupa foi publicada na tarde seguinte, no dia 26, com a confirmação de que se tratava de um golpe. E, ainda assim, o conteúdo falso seguiu circulando. No dia 2 de julho, Manoel Marins, pai de Juliana, voltou às redes alertando para a mentira.
Foram pelo menos três apelos publicados no Instagram por familiares de Juliana, além dos alertas da imprensa (1, 2 e 3). Ainda assim, as plataformas seguiram falhando — e lucrando — ao permitirem a continuidade do golpe.
O caso escancara uma vulnerabilidade antiga: a facilidade com que criminosos conseguem patrocinar fraudes nas redes, explorando o sistema de impulsionamento pago para espalhar desinformação em larga escala.
A Meta (dona do Facebook e do Instagram) — onde os anúncios localizados pela Lupa foram impulsionados — adota um sistema de verificação majoritariamente automatizado para revisar os milhões de anúncios veiculados em suas plataformas.
Embora afirme contar com analistas humanos para treinar os algoritmos e revisar casos pontuais, a Meta admite que “usa principalmente tecnologia automatizada para aplicar nossos Padrões de Publicidade”. A própria empresa reconhece as falhas do sistema: “Nosso monitoramento não é perfeito. Tanto as máquinas quanto as pessoas cometem erros”, descreve a plataforma.
Nesse cenário, cabe aos próprios usuários identificar os golpes e o caso de Juliana foi uma verdadeira aula de como a engenharia social é recorrentemente usada por criminosos. Veja as táticas:
Manipulação com IA: um vídeo falsamente atribuído a Mariana Marins, irmã de Juliana, foi alterado com o uso de inteligência artificial — tática conhecida como deepfake —, para simular um apelo por doações.
Uso indevido de identidade jornalística: outro vídeo de divulgação da falsa campanha de doações utilizava irregularmente a logomarca da GloboNews, tentando fazer crer que a emissora teria noticiado a arrecadação, o que é falso.
Clonagem de site: ao clicar nos anúncios fraudulentos, os usuários eram direcionados a uma página imitando o layout da plataforma Vakinha — conhecida por hospedar campanhas legítimas de doação. O objetivo foi forjar ainda mais credibilidade ao golpe.
Na tarde desta quinta-feira (3), os anúncios falsos não estavam mais disponíveis nas plataformas da Meta. O site de arrecadação, criado para aplicar o golpe, também havia saído do ar.
Golpes assim não se sustentam só pela malícia de quem os aplica, mas também pela velocidade com que se aproveitam da nossa emoção. Eles sabem onde cutucar: no luto, na pressa, na solidariedade. Usam rostos conhecidos, linguagem afetuosa, estética confiável. Tudo para fazer a mentira parecer verdade — e o golpe, um gesto nobre. Enquanto isso, as big techs seguem tratando golpe como conteúdo e desinformação como negócio.
Reportagem da Agência Mural mostra como empresas de apostas online estão se infiltrando nas periferias e favelas a partir de campanhas com influenciadores locais e eventos patrocinados. A investigação mostra como ocorre a ação das bets e o impacto que isso tem tido nos moradores, que sofrem com vício e endividamento. Um dos relatos conta a história de uma diarista moradora de Paraisópolis, em São Paulo, que adquiriu R$ 30 mil em dívidas com agiotas e que agora luta para lidar com vício em apostas. O texto ainda explica o efeito neurológico dos jogos de azar e o porquê de causarem dependência. [Gabriela Soares, repórter]
Um artigo na The Conversation mostra que, entre julho de 2022 e o 8 de janeiro de 2023, mais de 193 mil vídeos políticos foram removidos do YouTube - 84% com menos de 100 visualizações. A pesquisa realizada pelo Departamento de Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) aponta que, embora mais de 10 mil vídeos e 2,5 mil canais tenham sido excluídos por violar regras eleitorais, a maioria das remoções não teve justificativa clara. Os autores alertam ainda para a falta de transparência e defendem mais fiscalização para garantir a responsabilidade das plataformas sem prejudicar a liberdade de expressão e a democracia. Vale a leitura! [Evelin Mendes, editora-assistente]
A Lupa lançou na semana passada uma nova área para enfrentar com profundidade a desinformação, o Observatório Lupa. Com o Observatório, a Lupa vai mapear como narrativas desinformativas se formam, se transformam e se espalham, oferecendo inteligência estratégica para apoiar políticas públicas, iniciativas educacionais e respostas institucionais eficazes à desinformação. São três os focos de atuação: Lupa Pesquisa, Achado e Banco de Dados Lupa. A estreia do núcleo de pesquisa aconteceu com a publicação de um relatório inédito sobre fraudes online — “A Jornada de Golpes: Como redes sociais e apps de mensagem são explorados por golpistas e fraudadores no Brasil”. Um dos temas mais recorrentes entre os conteúdos falsos verificados pela Lupa, os golpes prometem ganhos financeiros imediatos e se utilizam de marcas ou figuras públicas para enganar os usuários. O estudo mostra como a engrenagem dos golpes digitais está cada vez mais sofisticada no país. Você pode ler em detalhes aqui. [Jefferson Puff, editor]
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