🔎 Nem tudo que reluz é ouro (e pode ser golpe)
#161: A fórmula atual da fraude nas redes inclui IA e um falso programa de resgate de valores
Oi!
Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa, por aqui. Nesta semana, a Lente fala novamente de um assunto que virou uma preocupação constante entre nós: golpes digitais. A repórter Evelyn Fagundes mostra que, com uma baita ajuda da inteligência artificial, os golpistas enganam até os mais desconfiados. Boa leitura.
Inteligência artificial recria famosos para golpe que vende a ilusão do dinheiro fácil
Receber uma grana para quitar dívidas e auxiliar nas despesas clássicas do fim de ano parece ser uma solução que faz os olhos brilharem, né? Bom, talvez aceitar uma proposta como essa, na verdade, possa te trazer problemas.
No início de novembro, a Lupa verificou no Facebook dezenas de vídeos em que os apresentadores Celso Portiolli, Rodrigo Faro, Fátima Bernardes e César Tralli falavam sobre um suposto benefício chamado “Resgata Brasil”. A narrativa levantada pelos apresentadores parecia interessante: um novo auxílio financeiro teria sido lançado para ajudar as pessoas com as despesas de fim de ano. Diversas páginas publicaram o conteúdo, inclusive, uma com o nome “Governo Federal”. Com o Resgata Brasil, seria possível receber valores “imediatamente” — assim mesmo, sem muitos detalhes. No entanto, não passava de uma farsa criada com o uso de inteligência artificial.
Os apresentadores nunca fizeram vídeos falando sobre o tal “Resgata Brasil” que, a propósito, não existe. Golpistas usaram vídeos verdadeiros dos famosos e utilizaram a técnica de deepfake para forjar o que é dito por cada um. Com a deepfake, é possível retirar o que uma pessoa disse em um vídeo real e criar uma nova história imitando a voz e fazendo com que os lábios dela se movam de acordo com o que será falado. Foi dessa forma que as imagens dos famosos foram manipuladas nesse golpe.
O uso de IA para a criação de vídeos que divulgam golpes, infelizmente, não é novidade. No Será que é Golpe — site da Lupa que reúne conteúdos verificados sobre diversos tipos de fraude — você vai encontrar exemplos. Esse caso chama atenção porque o resultado do vídeo manipulado é bastante convincente. A inteligência artificial gerou um conteúdo com qualidade de áudio e vídeo que certamente engana muita gente.
Prova disso são alguns comentários que encontramos em publicações. Há quem não caia no golpe do falso resgate, mas que acredite que os apresentadores de fato gravaram os vídeos promovendo a fraude.
Apesar de convincente, a montagem possui pequenos erros. Olhando atentamente, dá para notar que áudio e vídeo não estão totalmente sincronizados e, em alguns momentos, quando um dos apresentadores faz movimentos com a mão, é possível perceber que existe algum tipo de efeito no rosto (que some em seguida). Aliás, prestar bastante atenção nesses detalhes é uma dica valiosa para todos.
Além dos detalhes do vídeo, consultamos a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, que confirmou a nossa suspeita: “o governo federal não possui programa chamado 'Resgata Brasil’”. Para descobrir se existem valores para serem retirados em alguma instituição financeira, o caminho é o site oficial do Banco Central. Além disso, o site oficial do governo, o gov.br, é fonte para pesquisas sobre políticas públicas. Nenhum desses caminhos aponta para qualquer programa semelhante ao divulgado nas redes.
No vídeo manipulado, os apresentadores sugerem que a vítima insira os dados pessoais em um site para que seja possível consultar supostos valores a resgatar. O portal foi desenvolvido justamente para ser confundido com uma página oficial, com logotipos do governo federal. No entanto, a URL do site não termina em “.gov”, o que mostra que o endereço não pertence ao governo.
Depois que a vítima insere dados, o site confirma que existem valores para serem retirados. E aqui vem a surpresa. Para receber o dinheiro, a pessoa precisa pagar uma taxa de R$ 89,90. O valor pago, claro, não representa garantia de nada, é só uma forma de lucrar ludibriando as vítimas do golpe.
E mesmo que não haja o pedido de pagamento de taxas — porque às vezes não há —, é bom lembrar que é perigoso inserir informações pessoais em sites duvidosos. Quem recebe esses dados sensíveis pode utilizá-los em outros golpes ou comercializá-los.
Quem costuma espiar os comentários das publicações recebe uma pista de que algo está errado. Diversos usuários denunciam a fraude. Um deles menciona, inclusive, uma das técnicas que o golpe utiliza para criar uma sensação de urgência: o texto diz que “hoje” é a última oportunidade para realizar o saque. No entanto, esse “hoje” nunca vem acompanhado de data.
Usar pessoas famosas ou instituições conhecidas na divulgação de vídeos falsos é apenas mais uma tática para dar credibilidade à fraude. E a IA facilitou muito isso. Em outras versões desse mesmo golpe, os criminosos citam até o Supremo Tribunal Federal (STF) como o responsável por regulamentar o auxílio. Nem mesmo os ministros da maior instância do poder Judiciário brasileiro escapam dos golpistas.
Na internet, existem diversos sites e plataformas que facilitam a criação de vídeos com ferramentas de inteligência artificial. Criar uma página no Facebook e publicar o conteúdo também não é difícil, exige poucos passos. Complicado mesmo é conter a propagação dessas publicações. Em alguns casos, nem mesmo a denúncia para a plataforma é suficiente para impedir que o golpe continue circulando. A dica mais valiosa ainda é desconfiar sempre de promessas fáceis, mesmo que elas saiam da boca de gente famosa. Afinal, hoje em dia, nem mesmo a imagem das pessoas pertence somente a elas.
Este relatório [em inglês], publicado pela Ação Climática Contra Desinformação (CAAD), mostra que desinformações climáticas não estão apenas poluindo as plataformas, como têm sido potencializadas pelas big techs — por meio de ações orquestradas, que alimentam alegações mentirosas sobre o clima —, entre elas o malefício das energias renováveis. O documento mostra que oito anunciantes de petrolíferas pagaram pelo menos US$17,6 milhões à Meta por mais de 700 milhões de impressões em 2023, em conteúdos que apresentam combustíveis fósseis como essenciais para a transição energética — na tentativa de desvincular a crise de seus causadores. [Victor Terra, analista de Educação]
Imagina fazer fact-checking na época da ditadura… Saí do cinema com isso na cabeça e não acho que era possível. Sei que já se falou tudo e mais um pouco sobre “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles, mas se você ainda não viu, recomendo assistir o quanto antes, porque tem muito debate interessante surgindo a partir de muitas visões diferentes sobre o filme. Para quem trabalha com combate à desinformação, a personagem de Fernanda Torres, Eunice Paiva, nos dá gana de seguir em frente e é um oásis no excesso de informação e desinformação em que vivemos. [Marcela Duarte, gerente de Produto]
Nota: Esta edição da Lente foi produzida pela Lupa com o apoio da Pearson, empresa de aprendizagem com clientes em quase 200 países. Para saber mais sobre a parceria, clique aqui.
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