🔎Papa falou de amor e nas redes recebeu ódio
#178: Atacado por defender os pobres, Francisco virou alvo de fakes, ódio e IA
Oi, Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa, por aqui. Chegamos com a Lente da semana (depois de uma folga no feriado) para falar do assunto que dominou os noticiários nos últimos dias: Papa Francisco. O repórter Ítalo Rômany mostra que o nome dele sempre esteve em pauta na Lupa porque nem mesmo o discurso pacificador do Pontífice foi suficiente para mantê-lo longe do campo de batalha que virou a internet. Boa leitura!
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Em 12 anos de papado, Francisco foi alvo de mentiras absurdas: de negar a Deus a cancelar a Bíblia
O papa Francisco era, notoriamente, uma figura singular e vista como mais progressista diante de seus antecessores e também pelas diretrizes da Igreja. Em muitos de seus discursos, defendeu a comunidade LGBTQIA+, criticou e pediu o fim do conflito na Faixa de Gaza e pregou uma igreja voltada para os pobres. Por adotar esse comportamento — não seria esse o seu papel como discípulo de Jesus Cristo? —, era comumente chamado de “comunista” nas redes, de “apoiador de ditaduras” e foi alvo recorrente de publicações enganosas durante seu Pontificado: ao menos 20 checagens foram produzidas pela Lupa desde 2018.
Dentre os exemplos absurdos — e desmentidos:
“Papa Francisco defendeu sacrificar alcoólatras, autistas e pessoas com deficiência”
“Papa Francisco afirma que pedófilos têm ‘lugar especial’ no céu”
Com o anúncio de sua morte na segunda-feira (21), uma série de mensagens de ódio contra o Pontífice viralizou em grupos públicos de WhatsApp e Telegram no Brasil, como mostrou a Ebulição — newsletter da Lupa. Esses conteúdos afirmavam que Francisco era um “infiltrado” dos “globalistas” e que “morreu no colo de Satanás”.
Além do discurso de ódio, antigas fakes contra o papa voltaram a circular essa semana, a exemplo de um vídeo, desmentido pela Lupa em julho de 2022, afirmando que Francisco não acreditava em Deus. Diz a legenda: “Aquele ditado depois que morre todo mundo vira uma pessoa boa o Papa que disse que Deus não existe e defendido até por pastores e o evangelho tá muito bagunçado mesmo".
O papa Francisco não negou a existência de Deus.
A frase em italiano que viralizou — 'Ma Dio non esiste' ('Mas Deus não existe', em tradução literal) — foi retirada de contexto. Na verdade, o Pontífice a utilizou para explicar que Deus não é uma abstração ou uma ideia vaga, mas uma presença viva e relacional, manifestada na Santíssima Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo.
As publicações falsas também tiravam de contexto cenas protagonizadas por Francisco, principalmente para atacar grupos socialmente excluídos. Em 2020, circulou pelas redes sociais que o Pontífice estaria usando uma cruz com as “cores do orgulho gay”.
A cruz sinalizada na imagem não era uma homenagem à comunidade LGBTQIA+. Ela pertence à Pastoral Juvenil Latino-Americana e as cores representam regiões do continente. O representante da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) explicou à época que o verde indica o México e a América Central, o amarelo-laranja o Caribe, o vermelho retrata a região dos Andes, e o azul representa o Brasil, Chile, Paraguai, Uruguai e Argentina.
Em abril de 2019, também circulou pelas redes uma imagem editada — e grotesca — do papa Francisco sentado em uma privada, acompanhada de uma legenda falsa que alegava que o Pontífice teria determinado o cancelamento da Bíblia: “Papa Francisco surpreendeu o mundo hoje ao anunciar que a Bíblia está totalmente desatualizada e precisa de uma mudança radical, por isso a Bíblia é oficialmente cancelada e é anunciada uma reunião entre as personalidades mais altas da igreja onde será decidido o livro que a substituirá. [...] Alguns nomes já estão sendo considerados e o que tem mais força é o ‘Bíblia 2000”, dizia trecho do post.
A publicação era uma tradução de um post que circulava lá fora e que já havia sido desmentido por agências de checagem internacionais, como o PolitiFact, dos Estados Unidos. À Lupa, o Vatican News, órgão oficial do Vaticano, confirmou que a publicação era falsa. O texto que fala sobre o cancelamento da Bíblia era uma sátira e foi publicado originalmente no site humorístico There Is News.com, em abril de 2018.
Nos últimos meses, com o avanço da inteligência artificial (IA), Francisco também virou personagem de enredos fantasiosos criados por imagens manipuladas. Para além do famoso casaco branco estiloso, desenhado por um estilista, o Pontífice teve seu rosto exposto em uma foto em que aparecia beijando na boca do Dalai Lama, Tenzin Gyatso, líder espiritual do budismo tibetano.
A piora do estado de saúde de Francisco também virou peça de distorção da realidade com uso de IA. Dentre elas, uma imagem do papa deitado em uma cama, supostamente registrada durante sua internação. Em outro registro, o líder religioso aparecia respirando com o auxílio de aparelhos.
Muitas dessas fakes que circularam nos últimos anos reverberam o discurso de que o Pontífice era um homem não temente a Deus, associando-o ao mal propagado pelas “pautas ideológicas de esquerda”. Narrativas manipuladas que, longe de buscar a verdade, visam polarizar e deslegitimar os fatos. Esses ataques são uma amostra de que para aqueles que ousam pregar algo tão subversivo quanto a compaixão, há sempre o risco de se tornar alvo de campanhas difamatórias para minar vozes dissidentes, como Francisco.
A alcunha de comunista — tanto propagada nas redes — era recebida com desdém por ele. Em uma entrevista a uma TV argentina, ao ser questionado por tal rótulo, respondeu:
“Minha carta de identidade é Mateus 25. Leia Mateus 25 e veja se quem escreveu não era comunista. ‘Tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber, estive nu e me vestisse’. Essa é a regra de conduta”.
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A prisão do ex-presidente Fernando Collor na madrugada desta sexta, por uma condenação de 2023 por corrupção e lavagem de dinheiro em um esquema na BR Distribuidora, traz à tona novamente o nome desta importante figura na história política do Brasil. Para quem viveu e para quem não viveu o governo Collor na década de 1990, recomendo ouvir Collor vs Collor. O podcast, produzido pela Rádio Novelo, foi lançado em 2023 e segue essencial para entender de onde surgiu o primeiro presidente eleito pelo voto popular depois de 25 anos de regime de exceção no país. Tem história e tem fofoca de família também. Vale o seu play. [Luciana Corrêa, editora-chefe]
A partir de agora, usar inteligência artificial, ou outra tecnologia que altere imagem e voz, será um agravante em casos de crime de violência psicológica contra a mulher. A lei, sancionada na quinta (24) pelo presidente Lula, pode aumentar em 50% a pena para esse tipo de crime, que hoje é de seis meses a dois anos de prisão, mais multa. A novidade é importante porque a agressão contra mulheres na internet é enquadrada como violência psicológica e sabemos que a IA deu novos contornos a esses ataques. Com a lei, um agressor que, por exemplo, produzir um vídeo pornográfico de uma mulher através de deepfake, pode receber uma pena maior do que a que existia até então. Um avanço pequeno, mas ainda assim relevante, especialmente por fortalecer o debate sobre diferentes tipos de violência que circulam nas redes (muitas vezes impunemente). [LC]
Enquanto legislações sobre IA avançam timidamente, novas ferramentas não param de surgir no mercado. Lançado recentemente pela OpenAI, o modelo o3 do ChatGPT agora é capaz de indicar onde e quando uma foto foi tirada, além de estimar o horário do clique por meio da posição solar e das sombras na imagem. Se por um lado, a ferramenta pode ajudar em investigações jornalísticas e checagens de fatos, por outro, tem sido motivo de preocupação quando o assunto é segurança e privacidade de dados. Em tempos de exposição pessoal em fotos e vídeos nas redes e de novos recursos como o ChatGPT o3, fica ainda mais fácil cruzar dados para identificar pessoas, endereços e rotinas – uma combinação que reacende o debate sobre as consequências da produção e uso de dados pessoais na internet. [Victor Terra, analista de educação]
Temos um novo capítulo da batalha de Donald Trump contra a imprensa? Na terça (22), o produtor executivo do programa da CBS News, "60 Minutes”, Bill Owens, pediu demissão em uma reunião que o New York Times classificou como “emocionante". Owen alegou falta de autonomia: "Nos últimos meses, ficou claro que eu não teria permissão para comandar o programa como sempre o dirigi, para tomar decisões independentes com base no que era certo para o '60 Minutes', certo para o público". O programa sofre pressões tanto de Trump, que processou a CBS News em US$ 10 bilhões, acusando o '60 Minutes' de "comportamento ilícito e ilegal", como da Paramount, dona da CBS. Em fevereiro, Owens já havia afirmado que não se desculparia como parte de qualquer possível acordo no processo do presidente contra a CBS. [Marcela Duarte, gerente de Produto]
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