🔎Quem conta um conto aumenta um ponto?
#167: Para dar à posse de Trump o tom que queriam, bolsonaristas usaram imagens fabricadas
Oi! Mais uma sexta-feira com Lente na sua caixa de entrada. Aqui é Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa, chegando com uma edição que fala sobre ausências e presenças (artificiais) na posse de Donald Trump, nos Estados Unidos. Quem escreveu o texto que vocês vão ler logo a seguir foi o repórter Ítalo Rômany. E na ressaca da festa pelas indicações de ‘Ainda Estou Aqui’ ao Oscar, tem a sugestão de dois conteúdos que podem ajudar caso antigas fakes sobre a produção voltem a circular. Um ótimo fim de semana!
Imagens geradas por IA foram usadas nos últimos dias para embasar teoria de que Bolsonaro fez falta para Trump
Nos Estados Unidos Donald Trump já é presidente empossado. Pelo mundo, repercutem as ordens assinadas por ele após a posse. E aqui no Brasil, ainda circula em redes sociais e grupos de WhatsApp e Telegram uma narrativa que nasceu da impossibilidade de o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) viajar aos Estados Unidos para acompanhar o evento: a de que a sua ausência na posse — ele está proibido de fazer viagens internacionais — foi um “escândalo mundial”.
Para reforçar e dar maior “credibilidade” a uma tese de perseguição política, imagens criadas por inteligência artificial (IA), ambientadas supostamente na cerimônia de posse, se espalharam pela internet. Um dos conteúdos mostrava Donald Trump ao lado de uma cadeira vazia, com um letreiro que trazia o nome de Jair Bolsonaro, em um gesto simbólico de apoio. A legenda dizia: “A ausência de Bolsonaro na posse de Trump está causando mais impacto mundial do que se ele estivesse presente".
A imagem, apesar de parecer real e enganar em um primeiro momento, apresentava fortes indícios de que se tratava de uma montagem, a exemplo da textura da pele do presidente norte-americano, que tinha aspecto plastificado e com brilho em excesso, e uma deformação em um de seus dedos. Neste caso, a geração artificial também foi denunciada no canto inferior direito, onde era possível ver a marca d’água da ferramenta de geração de imagens por inteligência artificial do X (ex-Twitter), conhecida como Grok.
A posse — e retorno — de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos é, sem dúvidas, um impulso para grupos bolsonaristas, que enxergam no republicano um motivo adicional para reforçar suas expectativas em relação às eleições de 2026 no Brasil. Apesar dos indícios de manipulação nas imagens, esses registros consolidam a ideia de que Bolsonaro foi impedido injustamente de participar de um momento de simbolismo global.
A ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), que viajou em nome do marido para os Estados Unidos, foi a principal personagem de muitas dessas imagens manipuladas. Em um desses conteúdos, ela aparecia sentada ao lado de uma cadeira vazia que exibia no estofado a imagem de Jair Bolsonaro — registrada supostamente durante a cerimônia de posse de Donald Trump.
“Imagem forte, impacto global! Michelle Bolsonaro na posse de Trump, ao lado de uma cadeira vazia com a foto de Jair Bolsonaro. Um gesto silencioso que fala alto: perseguição política? Exílio forçado? A cena vai sacudir o mundo". Em grupos bolsonaristas, essa imagem alcançou ao menos 120 mil usuários distintos do Telegram e WhatsApp, de acordo com levantamento feito pela Lupa no monitor da Palver.
Apesar de a imagem ser falsa e os indícios de manipulação serem muito evidentes — as mãos de Michelle estão deformadas, e falta um dedo em sua mão direita, por exemplo — há quem acredite que ela é real. Nelas, a narrativa alimentada pelos conteúdos falsos chegou e de forma bem sucedida.
Um outro exemplo que circulou nas redes sociais é de uma imagem de Michelle Bolsonaro ao lado de Donald Trump segurando uma placa com os dizeres “Bolsonaro Presidente 2026”. Segundo a legenda do post, a fotografia teria sido feita assim que a esposa do ex-presidente Jair Bolsonaro chegou aos Estados Unidos. Outro registro semelhante exibia Trump recebendo Michelle em um aeroporto. “Que coisa hein Brasil, como Bolsonaro está sofrendo, vocês vão pagar caro.(...) O que vocês estão fazendo com Bolsonaro não se faz com ninguém”, alertava a legenda do post.
Assim como tantas outras, ambas as imagens eram falsas. Mas isso parece fazer pouca diferença. Para diversos perfis, mesmo sendo avisados de que aqueles registros foram gerados por IA, a crença de que o retorno de Donald Trump representa um claro indício de fortalecimento de Bolsonaro e da direita no Brasil prevalece sobre qualquer contestação. Então temos os que não acreditam, os que acreditam e ainda os que não se importam (e também conseguem ler mentes porque sabem exatamente o que o presidente dos Estados Unidos realmente sente, como no caso da mensagem abaixo).
“ATENÇÃO: IMAGEM GERADA EM IA (INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL), NÃO OCORREU DE VERDADE, MAS CLARAMENTE RETRATA A VONTADE DE DONALD TRUMP QUE SEMPRE FOI AMIGO E APOIADOR DO BOLSONARO E JÁ DECLAROU APOIO A SUA ELEIÇÃO EM 2026", dizia um dos posts compartilhados no Instagram.
Por outro lado, a presença de Michelle Bolsonaro também virou chacota nas redes com uso de IA, alimentando memes e críticas. Isso porque a ex-primeira dama e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) não tiveram acesso à cerimônia de posse de Trump no Capitólio. Em sua justificativa, o filho de Bolsonaro alegou que, devido à mudança do local do evento (por causa do frio), apenas um grupo restrito de pessoas selecionadas pôde entrar no evento.
Internautas chegaram a dizer que Michelle e Eduardo Bolsonaro haviam sido "barrados do baile" e que "tiveram de assistir da televisão, igual a Jair Bolsonaro no Brasil". Nas imagens disseminadas, ambos apareciam, por exemplo, com trajes de garçons servindo aperitivos ao presidente norte-americano.
Esses episódios ilustram bem como o uso de tecnologias de manipulação de imagens por IA tem se tornado ferramenta para alimentar discursos polarizados — seja para ironizar ou reforçar crenças. De qualquer forma, há um alerta: a linha entre o que é falso e o que é real se torna cada vez mais tênue. Para determinados grupos, porém, os fatos pouco importam quando narrativas fabricadas por imagens servem para validar suas visões de mundo.
E ainda falando em Trump, as promessas do presidente dos Estados Unidos durante a campanha eleitoral para o primeiro dia de governo geraram burburinhos, mas muitas delas não foram cumpridas nas primeiras 24h como novo inquilino da Casa Branca. Entre elas estava a de acabar com a guerra na Ucrânia “antes de ser empossado”, mas agora Trump fala em um prazo de até 100 dias. O republicano também prometeu que uma das suas primeiras “ordens executivas” em 20 de janeiro seria a de impor uma tarifa de 25% sobre produtos do México e Canadá que entram nos EUA, mas essa foi uma das primeiras promessas a ser adiada. O levantamento completo do que ele prometeu e não fez está disponível no Maldita.es. [Evelin Mendes, editora-assistente].
Após a posse de Donald Trump, a organização internacional Repórteres Sem Fronteiras (RSF) se debruçou sobre os decretos assinados na segunda (20). Trump alegou que uma das medidas visa “restaurar a liberdade de expressão e encerrar a censura federal”. A análise aponta que, contraditoriamente, Trump mantém processos contra veículos como ABC e NBC News por críticas, além de deixar claro que deve cercear a mídia “unilateral”. Para ele, aparentemente, liberdade de expressão e liberdade de imprensa são coisas distintas. Entre as medidas citadas pela RSF que colocam a imprensa em risco nos EUA estão: abrir investigações contra a mídia que o critica, ameaças de revogar licenças de emissoras e prender jornalistas que fazem oposição. [Jefferson Puff, editor]
O Brasil comemorou ontem (23) as três indicações ao Oscar de ‘Ainda Estou Aqui’. Fernanda Torres, a estrela do filme — e agora indicada ao prêmio de melhor atriz — já foi em algumas oportunidades alvo de fakes, assim como a produção do diretor Walter Salles. Então, fica a indicação dessas duas verificações feitas pela Lupa para você ter à mão caso receba em algum grupo de amigos ou família essas mentiras. A primeira trata de uma suposta frase dita pela atriz durante a pandemia e a segunda explica que o filme não foi beneficiado pela Lei Rouanet. [LC].
O podcast ‘Café da Manhã’ discute no episódio desta sexta (24) como pode ser a rede social que queremos. É possível criar redes com menos impactos negativos na nossa vida? Já existe algo, ao menos, parecido com isso? Você já pensou em deixar as plataformas que usa atualmente? Mariana Valente, professora de direito da Universidade St Gallen, na Suíça, e Anna Bentes, professora da FGV Comunicação Rio, falam sobre esses tópicos e também sobre como deve ser a vida dentro das redes após recentes mudanças de diretrizes de big techs. [LC].
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