🔎 Um falso projeto fantasma na Amazônia
#187: Publicações enganam ao alertar para suposta fraude de R$ 2 bilhões em plena floresta
Oi, Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa, por aqui. Nesta edição da Lente, o repórter João Capobianco explica as etapas para a desconstrução de uma narrativa mentirosa sobre um suposto empreendimento fantasma que teria gerado um prejuízo bilionário ao Brasil. Um post que circulou com a alegação despertou reações acaloradas contra a corrupção e o gasto de dinheiro público na Amazônia. Uma combinação que, a gente sabe, engaja. Boa leitura!
Como desinformação sobre suposto polo de biotecnologia jamais entregue insuflou sentimento anticorrupção
No final de junho, um perfil no TikTok com mais de 13 mil seguidores publicou uma séria acusação de corrupção com dinheiro público no Brasil: um projeto fantasma, em plena Amazônia, que teria custado R$ 2 bilhões sem nunca ter sido entregue. O que era para ser um polo industrial de biotecnologia e que exigiu um investimento bilionário, foi, segundo a publicação, “do bolso público para o nada, para o vento, para o mato”.
Casos de malfeitos com dinheiro público costumam chamar a atenção de qualquer jornalista, mas nesse caso em especial uma outra informação me despertou a curiosidade. A expressão “polo industrial de biotecnologia da Amazônia” me transmitiu a ideia de um futuro em que o Brasil conseguiria transformar o potencial de sua inigualável biodiversidade em realidade tecnológica e econômica. O caso de corrupção, portanto, liquidava essa possibilidade.
As publicações com a acusação se avolumavam em redes como Instagram e Facebook entre os últimos dias de junho e os primeiros de julho. Cá entre nós, o conteúdo tinha características que à primeira vista de um checador levantavam uma série de dúvidas sobre a sua veracidade. As imagens expostas pareciam genéricas demais, e o texto não convencia muito, porque alternava entre um tom sério, de denúncia, e outro de frases em tom exageradamente descontraído.
Mas na legenda da publicação original – que propagava desinformação – havia uma pequena lista de fontes dos dados, entre as quais estavam a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), além de uma auditoria de contratos inadimplentes feita pela Controladoria-Geral da União (CGU) e de “dados oficiais” do tal projeto de biotecnologia. Se alguma dessas instituições confirmasse ao menos um indício de valores empenhados sem que o projeto tivesse evoluído, poderíamos estar diante de um caso da maior relevância. Era preciso descobrir se aquelas alegações faziam sentido.
Uma rápida busca no Google revelou que já existe, na Amazônia, algo parecido com o tal polo tecnológico. O Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA) foi criado em 2002 e tem um complexo de 17 mil quilômetros quadrados instalados na Zona Franca de Manaus. O site oficial da instituição diz que o objetivo do centro é “desenvolver, com inovação tecnológica, alternativas econômicas que permitam o melhor aproveitamento econômico e social da biodiversidade amazônica”.
Ao contrário do que sugeriam as publicações virais, o CBA tem uma estrutura robusta e o site da instituição exibe imagens não apenas das suas instalações físicas, mas também de profissionais trabalhando e de eventos em curso. No Google Maps, o complexo está lá, de pé. Não se tratava, portanto, de um projeto fantasma.
As buscas na internet por um “polo industrial de biotecnologia da Amazônia” nunca resultavam em informações relacionadas ao tal projeto fantasma. Se o caso realmente havia acontecido, o esforço para esconder não apenas a corrupção, mas a própria iniciativa, desde seu nascimento — em 2010, segundo o vídeo-denúncia — tinha sido muito bem sucedido; o que não condizia com a diversidade de fontes reveladas nas publicações.
Então, vamos às fontes. O próximo passo foi consultar todas as instituições que supostamente abrigavam os registros dos desvios. Em primeiro lugar, a Controladoria-Geral da União. Se as publicações afirmavam que a CGU tinha feito auditorias em contratos inadimplentes, para o órgão de controle a realidade era bem diferente. Em resposta à Lupa, a entidade afirmou que não localizou auditorias, fiscalizações ou qualquer informação sobre o assunto, mesmo após consulta à Regional do Amazonas.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), por sua vez, informou que as bases de dados da Finep e do próprio ministério não continham qualquer projeto com as características informadas. As diretorias operacionais ligadas ao MCTI também não tinham informações. Como a publicação viral também mencionava “dados oficiais” do tal polo industrial, decidi consultar o Centro de Bionegócios da Amazônia (CBA), iniciativa mais próxima do que era narrado nas postagens. Mais uma vez, nenhuma pista.
O Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) não respondeu à reportagem, mas as publicações virais mencionavam o relatório específico em que a corrupção supostamente fora constatada, sob o número 003/2012. E, de novo, nada. O número refere-se a uma resolução do tribunal sobre medidas cautelares, sem qualquer relação com o tema. Outras aparições da sequência 003/2012 no TCE-AM nada tinham a ver com a denúncia e, em todo o site da instituição, nenhuma menção a polo industrial de biotecnologia da Amazônia.
Desvio de dinheiro público é coisa séria. Como se sabe, o empenho do orçamento impacta diretamente na qualidade de vida das pessoas. O próprio vídeo viral apelava à essa percepção, dizendo que aquele valor bilionário poderia ter ido para hospitais ou escolas de qualidade.
Mas outros dois aspectos chamam a atenção no acionamento desse discurso. Em primeiro lugar, a mobilização de um sentimento negativo genérico em relação ao Estado brasileiro, sobretudo em um momento em que a questão fiscal tornou-se o centro da disputa política, como evidenciado pela crise do IOF e pela campanha governista nas redes sociais que opõe pobres a super-ricos.
Em segundo lugar, a descrição de um projeto de R$ 2 bilhões, em plena Amazônia, quando o tema ambiental também está em alta, não apenas pela realização da COP30 este ano no Brasil, mas em meio à discussão da Lei Geral do Licenciamento Ambiental — conhecida como “PL da Devastação” — que acabou sendo aprovada pela Câmara dos Deputados nesta quarta-feira (16) e enviado para sanção presidencial.
Mais uma vez, a desinformação se mostrou conectada aos temas do momento e hábil na manipulação de emoções. A publicação enganosa tinha centenas de comentários de indignação e se replicou em outras redes sociais. Sabemos que, na história do Brasil, escândalos com dinheiro público são, infelizmente, uma realidade mais comum do que gostaríamos. Mas nesse caso, no fim das contas, a história não passou de uma fake fabricada. A dúvida que conteúdos como esse geram é terreno fértil para a desinformação, então vale redobrar a atenção. Por aqui, continuaremos de olho.
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