🔎Uma mentira repetida milhões de vezes
#166: A falsa taxação do Pix, fake que circula desde 2022, desta vez virou crise no governo
Oi! Luciana Corrêa, editora-chefe da Lupa, chegando com a Lente da semana. Dificilmente você que nos lê não foi impactado por algum conteúdo sobre o Pix nos últimos dias. A transação bancária que caiu nas graças do brasileiro foi alvo de uma avalanche de desinformação e gerou uma crise no governo federal. Mas essa não foi a primeira vez que a fake sobre taxar o Pix circulou. Quem vai contar em detalhes essa história na edição de hoje é o repórter João Pedro Capobianco. Aproveite a leitura e um excelente fim de semana!
Alvo de fakes há anos, Pix passou de uma simples transação a motivo de crise complexa no país
Lançado em novembro de 2020 pelo Banco Central, o Pix contabilizou 42 bilhões de transações só no ano de 2023, tornando-se o principal meio de pagamentos no Brasil. Tudo nele parece um tanto avassalador. A rapidez de sua popularização, o volume de transações, o montante transacionado e, como não poderia deixar de ser em tempos de pós-verdade, as informações falsas a seu respeito. Afinal, não é de hoje que paira sobre o Pix a sombra da desinformação.
Em 2022, Jair Bolsonaro, então candidato à reeleição à presidência, dizia ser o “pai do Pix”. Na verdade, como a Lupa mostrou, o método de pagamento surgiu de um grupo de trabalho do Banco Central durante a gestão de Michel Temer, em 2018; em outubro de 2020, Bolsonaro parecia ainda não saber do que se tratava.
Mas a disputa pela paternidade foi só o começo. Em novembro de 2022, logo após a eleição da chapa Lula-Alckmin, publicações falsas já diziam que o vice-presidente eleito havia anunciado a taxação do Pix. Em janeiro de 2023, novas publicações alegavam que o governo havia taxado o meio de pagamento. De novo, em junho daquele ano. E novamente em janeiro e junho de 2024. Porém, nenhuma dessas fakes inundou as redes com a força que vimos nos últimos dias.
Chegamos a 2025 e, já nos primeiros dias do ano, conteúdos enganosos sobre o Pix voltaram a circular nas redes sociais. Os desinformadores aproveitaram uma Instrução Normativa da Receita Federal — aprovada em setembro passado e até então pouco divulgada para a população — para alegar, de novo, que o Pix seria taxado. Desta vez, a alegação era que a taxa seria cobrada quando as movimentações de uma conta excedessem R$ 5 mil. Como a Lupa mostrou, não havia taxação alguma. A Receita havia apenas estabelecido R$ 5 mil como o valor a partir do qual os bancos e as instituições de pagamento deveriam informá-la sobre movimentações financeiras de pessoas físicas.
Bastava ler a Instrução Normativa para constatar que não havia menção a novas taxas. No Brasil, um imposto sobre movimentação financeira exige aprovação do Congresso e só pode ser provisório. Além disso, transações financeiras são monitoradas, sem cobrança, desde 2003 por meio do repasse de informações pelas instituições bancárias à Receita.
Na sexta-feira (10), outro conteúdo falso sobre taxação ganhou as redes. No caso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aparecia em vídeo feito com Inteligência Artificial (IA), dizendo que iria “taxar tudo”, de animais de estimação a mulheres grávidas. Era uma continuação das primeiras publicações enganosas, tendo o governo federal e a economia brasileira como alvo. As publicações se avolumavam e reforçavam a narrativa de que Lula e Haddad eram cruéis com os trabalhadores.
Outra falsa mensagem, que utilizava o nome, as cores e os símbolos da Receita Federal, fez com que a instituição emitisse um alerta aos cidadãos. Não, a Receita Federal não estava enviando boletos com cobranças relacionadas ao Pix; era golpe. Sim, não bastava a crise de confiança, criminosos também usaram a situação para tirar dinheiro de quem, naquele momento, era bombardeado por milhares de mensagens com informações distorcidas.
Durante uma semana, entre os dias 7 e 14 de janeiro, conteúdos falsos sobre o meio de pagamento impactaram 9 milhões de pessoas em grupos públicos de WhatsApp e Telegram, como mostrou a Lupa em parceria com a Palver. Domingo (12), quando a circulação de mensagens sobre o tema no período analisado atingiu o pico, foi o dia em que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) publicou um vídeo dizendo que Lula iria monitorar “até quem pede dinheiro em sinal de trânsito”.
Em meio à tanta dúvida sobre o que de fato valia e o que era boato, um vídeo do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) se disseminou pelas redes, popularizando-se tanto quanto o próprio Pix. Na peça, o parlamentar diz que a transação não será taxada.
A afirmação verdadeira dá a ele alguma confiabilidade e o vídeo segue, com trilha sonora de suspense, cores escuras e alegações que reforçam o pânico já instalado nas redes. “Todos aqueles que lutam honestamente para ganhar a vida diariamente vão sofrer”, diz o deputado, mirando o trabalhador. “Terão suas movimentações vigiadas, como se fossem grandes sonegadores”. Mais de uma vez, Ferreira alega que o governo federal quer “tirar o sigilo bancário de cidadão comum e empreendedor”, o que é mentira, já que o sigilo bancário é garantido pela Constituição. Só no Instagram, o vídeo do parlamentar, que se aproveita do clima de incerteza gerado pela desinformação, alcançou 303 milhões de visualizações em dois dias.
O resultado, após uma semana de mentiras, foi o anúncio, na quarta-feira (15), de que a Receita revogou a norma. O comunicado não deixou dúvidas: o governo federal perdeu para a desinformação (e para a própria falta de ação). A mentira sobre o Pix, trabalhada há pouco mais de dois anos por desinformadores, enfim, atingiu o seu objetivo.
Sem querer prever o futuro, é preciso dizer que o protagonista da semana pode ter, em breve, um substituto.
O Drex, versão virtual do Real em fase de desenvolvimento pelo Banco Central, já tem sido alvo de discursos enganosos, similares aos que atacam o Pix. Teorias infundadas vão desde que o governo deseja confiscar o dinheiro da população até o anseio por controle total das pessoas, com suposto objetivo de empobrecê-las. A Lupa reuniu neste Explicador as principais narrativas falsas e as informações verdadeiras disponíveis sobre o Drex. Vale se informar, desde já, sobre a moeda virtual porque, como sabemos, o trabalho dos desinformadores não para.
O episódio da última segunda-feira (13) do podcast O Assunto, apresentado pela jornalista Natuza Nery, discute o que é a liberdade. A palavra que é comumente utilizada por figuras políticas de todos os espectros, foi analisada pelo professor de filosofia política na USP Alberto Ribeiro Gonçalves de Barros, entrevistado do episódio. Ele explica como o conceito foi apropriado por alas extremistas nos dias atuais. “Porta-vozes da extrema direita sequestraram esse ideal de liberdade e passaram a acusar a esquerda de atentar contra as liberdades individuais”, diz. Barros explica, ainda, que a liberdade irrestrita que a extrema direita prega não está inscrita na tradição liberal, nem mesmo nas vertentes mais radicais [JP].
Lançado em 2023, o projeto WorldCoin tem viralizado mundialmente e parece que agora ganhou as redes no Brasil. Liderada por Alex Blania e Sam Altman, CEO da OpenAI, a iniciativa consiste em realizar um escaneamento da íris de cidadãos que decidam compartilhar essa informação com a empresa Tools for Humanity. Cada registro recebe uma identificação digital, assegurando que o dono da íris é um humano (e não um robô ou inteligência artificial). Os participantes que realizarem o processo são recompensados com criptomoedas emitidas pela própria empresa. No entanto, o projeto tem gerado discussões sobre a segurança dos dados dos participantes, especialmente devido à falta de detalhes sobre o tratamento das informações. [Brenda Farfoglia, Analista de Produto].
Na última quarta-feira (15), o Fórum Econômico Mundial lançou o Relatório de Riscos Globais 2025. Assim como em 2024, a organização elencou a desinformação e a polarização como duas das principais ameaças globais para o mundo. “As altas classificações desses dois riscos não são surpreendentes considerando a disseminação acelerada de informações falsas ou enganosas, que amplificam os outros principais riscos que enfrentamos, desde conflitos estatais armados até eventos climáticos extremos”, diz o relatório. A previsão do Fórum é que a desinformação seja a principal ameaça em 2027, dado seu potencial nocivo para a balança geopolítica global [JP].
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Que análisis interesante! Agradezco a exatidão das informações detalhadas. Parabéns pelo trabalho!