🔎A morte da realidade: IA e a foto de Trump
#144: Imagem marcante do atentado é usada para espalhar fakes distorcer a realidade
Oi, aqui é o Leandro Becker, editor-chefe da Lupa, e hoje a Lente vai mergulhar na foto emblemática tirada minutos depois de Donald Trump, ex-presidente dos Estados Unidos e candidato republicano, ter sido alvo de uma tentativa de assassinato. O repórter Ítalo Rômany mostra como a imagem histórica virou alvo de fakes, inclusive com uso de inteligência artificial (IA), para distorcer uma dura realidade e servir como uma peça no xadrez da estratégia política de uma campanha acirrada. Boa leitura!
A foto de Trump e a distorção da realidade
A imagem icônica do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump erguendo o punho após levar um tiro de raspão na orelha virou símbolo notório de uma campanha eleitoral cada vez mais polarizada — e violenta. Diante da foto que mostra um Trump “grandioso”, uma chuva de narrativas factóides surgiu como desdobramento do registro, criando uma onda de desinformação nas redes sociais.
Entre os posts estão alguns que recortaram uma parte da imagem para emplacar a teoria conspiratória de que Trump também foi atingido por um tiro no peito, o que é falso.
De acordo com o post enganoso, seria possível avistar na imagem um suposto buraco de bala no lado direito do peito do ex-presidente. Mas, quando se dá um zoom na foto, fica claro que o suposto buraco não passa de uma dobra no casaco de um dos oficiais do Serviço Secreto (uma mulher loira) que estava protegendo Trump. Também é possível perceber que o tom de azul do terno do ex-presidente é diferente do usado pela segurança.
A imagem também ganhou outras roupagens conspiratórias mundo afora, dentre elas edições que manipularam o registro com uso de inteligência artificial (IA). Uma dessas publicações mostrava agentes de segurança do ex-presidente sorrindo no momento em que protegiam o republicano do atentado. A tática era de provar, por meio da imagem, de que os tiros eram uma “farsa eleitoral”.
Bastava olhar a foto original, de autoria do repórter Evan Vicci, da Associated Press (AP), e comparar as imagens para provar que nenhum dos agentes de segurança estava rindo. Pelo contrário, todos no registro aparecem com expressão séria. Além disso, as imagens do comício — transmitidas ao vivo pela campanha do candidato republicano e veiculadas por todos os grandes veículos de imprensa do mundo — também mostram que, no momento em que os seguranças se levantam ao lado de Trump, todos aparentam seriedade.
Vale ressaltar que o atentado contra Donald Trump, durante um comício na Pensilvânia no sábado (13), não é o primeiro episódio em que o ex-presidente foi alvo de manipulações de imagem com uso de IA. Em março de 2023, as redes foram inundadas de registros que mostravam supostas fotos da prisão de Donald Trump. A maioria delas exibia o candidato republicano reagindo com truculência ou fugindo dos agentes policiais. Tudo mentira.
Se por um lado Trump é alvo recorrente de imagens manipuladas, de outro, trumpistas adotam a mesma tática com uso de IA para inventar enredos que nunca existiram. A BBC denunciou, em reportagem publicada em março deste ano, que eleitores do ex-presidente estavam criando imagens dele posando com apoiadores negros e usando os falsos registros para estimular o grupo a votar no Partido Republicano. Não há registros de que Trump tenha feito paradas em sua campanha para tirar fotos com negros que acenavam em sua direção, como sugerem as legendas que acompanhavam as publicações.
Fato é que o atentado contra Trump — e as narrativas falsas decorrentes dos registros dele, como a foto que se tornou símbolo do episódio — só reforça como a manipulação de imagens será uma das estratégias de desinformação nas eleições, reforçada pelo uso sem freio da inteligência artificial. Já havia casos antes mesmo do ataque ao republicano, inclusive envolvendo o atual presidente dos EUA, Joe Biden, como já mostrou a Lupa.
Por fim, vale destacar que a onda de desinformação sobre a tentativa de assassinato a Trump também reacendeu mentiras sobre a facada sofrida pelo então candidato à Presidência do Brasil Jair Bolsonaro (na época PSL, hoje PL), em setembro de 2018, durante um comício na cidade de Juiz de Fora (MG).
Na época, imagens falsas ou fora de contexto do atentado se propagaram nas redes para afirmar que todo aquele episódio era uma farsa — a exemplo de fotos que mostravam Bolsonaro andando pelos corredores de um hospital com a camiseta sem sangue — o que indicaria que não havia sido esfaqueado. A Lupa mostrou que, na verdade, aqueles registros haviam sido feitos horas antes do atentado.
Há seis anos, o uso da IA para criar imagens falsas ainda não era tão popular como hoje. É por isso que o ataque a Trump — e as mentiras e manipulações decorrentes dele — mostra que, no mundo de polarização, IA e fakes de 2024, a tecnologia põe em risco não só a verdade, mas a própria realidade.
O Spotify está indicando pagodes com negacionismo eleitoral para assinantes que estão ouvindo playlists de samba. Reportagem do The Intercept Brasil mostra relatos de usuários que foram surpreendidos com recomendações de músicas que atacam as urnas eletrônicas e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Ninguém mais pode desconfiar das urnas, virou um crime na nossa nação. Perdeu mané, o povo tá desconfiado e ninguém mais bota fé nesse TSE", diz um trecho de um dos pagodes. Ao The Intercept, o Spotify disse que irá manter as recomendações. A resposta chama a atenção porque, em maio de 2022, a plataforma firmou um acordo com o TSE para combater a desinformação durante as eleições. [Ítalo Rômany, repórter]
Enquanto isso, o grupo de trabalho (GT) para discutir o “PL das fake news” segue inativo na Câmara dos Deputados. Reportagem do Terra mostra que o GT não teve nenhuma atividade, reunião ou proposta discutida desde que foi oficialmente criado, em 5 de junho. Resta saber se o desinteresse do Congresso levará o governo federal a tentar uma nova ofensiva sobre o tema. Nesta semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a defender a regulação das plataformas. “Cabe ao Palácio [do Planalto] ter uma posição sobre isso [a regulamentação]. Não é possível essas empresas ganharem dinheiro disseminando mentiras”, disse em entrevista à TV Record. [Leandro Becker, editor-chefe]
Parece cena de filme, mas não é. Um político britânico foi acusado de ser “gerado por inteligência artificial (IA)” e teve que provar ser humano. Mark Matlock, candidato do partido de extrema-direita Reform UK, levantou suspeitas por não ter participado de eventos de campanha e, também, por sua imagem com pele “brilhante e lisa” fazer parecer que ele foi criado pela tecnologia, reportou o The Verge. A falsa história ganhou tração e fez com que Matlock tivesse que vir a público para provar ser uma pessoa. Ele explicou que “sumiu” porque estava com pneumonia e mostrou a foto original de sua campanha para provar que, por mais que tenha sido editada, era real. [LB]
Conheça nossa política de privacidade.