🔎 A PEC 3/2022 vai invadir sua praia?
#138: Luana Piovani e Neymar protagonizam debate sobre Proposta de Emenda à Constituição
Oi, sou Raphael Kapa, coordenador de Educação, e na última semana tivemos um intenso debate nas redes sociais sobre a PEC 3/2022, conhecida como a PEC das Praias. A proposta, que teve como relator o senador Flávio Bolsonaro, mobilizou até algumas brigas entre a atriz Luana Piovani e o jogador Neymar e fez com que um debate complexo sobre os bens da União ganhasse as redes.
PEC das Praias gera debate nas redes, mas superficialidade não dá ao tema a importância que merece
Em entrevista na quarta-feira, dia 5, o senador Flávio Bolsonaro afirmou que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre a distribuição de terras da União no litoral para a iniciativa privada e outras esferas governamentais estava envolvida em uma série de fake news. A declaração foi endossada pelo relator da PEC, Alceu Moreira, e outros senadores, que perceberam uma mudança no processo de tramitação após pressão popular. Na consulta pública no portal do Senado, a desaprovação da PEC está ganhando de lavada.
Flávio Bolsonaro afirma que foi construída “uma narrativa mentirosa” de que a PEC privatizaria as praias e também nega que os acessos aos litorais seriam impedidos.
A disputa sobre o tema, segundo levantamento do analista de dados Pedro Barciela, começou no X (antigo Twitter) no dia 25 de maio, impulsionada por usuários ligados à defesa ambiental e com 75% de menções críticas à proposta, ao relator Flávio Bolsonaro e a Neymar, que foi colocado como um interessado na aprovação da proposta. O tema, aliás, ganhou mais repercussão após a atriz Luana Piovani afirmar que Neymar apoia a PEC e dizer batalhar “por não privatizar praias”. Veja o gráfico sobre o aumento de menções a “Pec da praia” no Twitter:
A PEC 3/2022 prevê alterar a Constituição para retirar da União os chamados “terrenos de marinha” como bens exclusivos. Esses terrenos são as faixas que vão do ponto médio da maré alta até uma largura de 33 metros em direção ao continente. A partir desta mudança, esses terrenos podem ser incorporados pelas cidades, estados ou até pessoas jurídicas, como a empresa de Neymar – que virou alvo de memes na internet. O ponto de debate que gera disputas narrativas desinformativas é como seria a gestão deste território.
Apesar de empresas poderem passar a ser donas, elas não podem impossibilitar o acesso da população. Isso se deve ao fato de que o artigo 20 da Constituição, que relaciona quais são os bens da União, diz que “o mar territorial” e os “terrenos de marinha” são para benefício de toda a população. Além disso, o texto da PEC não prevê mudanças sobre a utilização das praias. Hoje em dia, mesmo sem a alteração proposta pela PEC, há casos em que a população tem acesso à praia, mas é tão difícil que é como se a praia fosse privatizada. Por isso, é compreensível a crítica de Luana dizendo que a mudança vai impossibilitar o acesso do público às praias. Mas o debate precisa ser aprofundado e não pode ser reduzido à afirmação de que as praias serão privatizadas, porque não é isso que a PEC propõe, ainda que seja necessária uma leitura entre linhas.
Por outro lado, o texto também não destrincha como será a regulamentação com os novos proprietários para fiscalizar que os acessos às praias não estejam bloqueados e não sejam cheios de entraves. Apesar de Flávio Bolsonaro ter dito que vai explicitar melhor essa parte no texto, isso ainda não foi feito, principal crítica de opositores citando exemplos atuais de resorts que dificultam o acesso à faixa de areia por quem não está hospedado.
A PEC 3/2022 gerou também um intenso debate sobre seu impacto ambiental. Críticos apontam que a medida pode resultar em danos significativos aos ecossistemas costeiros, já que a privatização dessas áreas poderia levar a um uso desregulado e à construção desenfreada, ameaçando habitats naturais e a biodiversidade.
A falta de clareza e transparência no debate sobre a proposta alimentou narrativas que mais tendem à desinformação, ou pelo menos à superficialidade do debate, dificultando o entendimento público sobre seus reais impactos e sobre necessidades de mudanças no texto para aprimorar a proposta. A discussão sobre a PEC não apenas revela as complexidades inerentes à gestão de áreas públicas, mas também a necessidade de um diálogo informado e participativo para garantir que os interesses coletivos sejam preservados.
A gente fala muito dos problemas relacionados à inteligência artificial (IA), e um deles é a valorização (ou desvalorização) do trabalho humano nessa era digital. Investigação recente mostrou que a Meta tem pagado valores ínfimos para trabalhadores contratados revisarem informações que vão treinar sua inteligência artificial. Conteúdos sobre enchentes no Rio Grande do Sul, violência e política são exemplos de materiais revisados por profissionais pagos precariamente. Os responsáveis por verificar a veracidade das informações recebem apenas centavos por checagem, levantando questões éticas. Reportagem do Intercept destaca como essa prática não só desvaloriza o trabalho dos verificadores, mas também pode comprometer a qualidade e a precisão dos dados utilizados para o treinamento de sistemas de IA. [Gabriela Soares, repórter]
Será que há riscos da manipulação de discurso com o uso da inteligência artificial? Será que isso pode impactar as democracias? É isso que aponta o documento “Inteligência Artificial e Democracia”, elaborado pela Unesco. O texto aborda preocupações como a erosão do discurso público, desinformação, governança de dados e governança algorítmica, ressaltando a importância de discussões contínuas e regulamentação adaptativa. As recomendações visam a promover uma governança democrática da inteligência artificial, respeitando os direitos humanos, a democracia e o estado de direito. Entre as medidas específicas, destacam-se a criação de mecanismos de supervisão independentes, a promoção da alfabetização digital e o desenvolvimento de estratégias nacionais de IA alinhadas com valores democráticos. [Raphael Kapa, coordenador de Educação]
Ainda seguindo no tema da manipulação da opinião pública, vale dar uma lida no artigo publicado por Pedro Arantes, Soraya Smaili e Maria Angélica Minhoto na Folha de quarta-feira (5). Ele explica como a desinformação pode ser utilizada como arma política, ficando mais em evidência em meio a tragédias, como a crise vivida nas últimas semanas no Rio Grande do Sul. Segundo os autores, uma pesquisa do NetLab da UFRJ indica que “extremistas” têm utilizado as redes para afirmar que as mudanças climáticas são um mito e que os eventos extremos no Sul são apenas fenômenos naturais sem qualquer ligação com o aquecimento global. O artigo também cita outras desinformações já verificadas pela Lupa. [Nathália Afonso, analista de Projetos Editoriais]
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