đ Como vĂdeos reais viram fake nas redes
#142: Trechos tirados de contexto distorcem realidade para atacar de polĂticos a artistas
Oi, aqui Ă© o Leandro Becker, editor-chefe da Lupa. Hoje a Lente vai destrinchar um ditado que certamente vocĂȘ jĂĄ ouviu: nem tudo Ă© o que parece â ainda mais quando se trata de redes sociais. Convidei a repĂłrter Carol MacĂĄrio para mostrar como falas verdadeiras de vĂdeos reais sĂŁo tiradas de contexto e viram histĂłrias mirabolantes e mentirosas, com alvos que vĂŁo desde Lula e Bolsonaro atĂ© artistas como os cantores Chico Buarque e Supla.
Nas redes sociais, nem tudo Ă© o que parece
Em abril de 2016, um fĂŁ de Chico Buarque usou o Facebook para um desabafo: âo maior poeta do Brasil Ă© falso!â. Ele estava indignado com a suposta confissĂŁo de um dos maiores compositores do paĂs e compartilhou um vĂdeo no qual o prĂłprio artista âadmiteâ comprar cançÔes.
SĂł que na internet, o bom e velho conselho de que nem tudo que reluz Ă© ouro Ă© fato. A gravação mostra, na verdade, uma brincadeira feita por Chico nos bastidores da gravação do ĂĄlbum Carioca. O post indignado e falso foi baseado em apenas um trecho de dois minutos do documentĂĄrio Desconstrução (2006), de Bruno Natal, sem o contexto original. O doc mostra a intimidade do mĂșsico na produção do disco e, em uma das cenas, Chico brinca e faz uma sĂ©rie de exageros sobre supostamente preferir comprar mĂșsicas de pessoas que conhece.Â
Em 2020, quando o vĂdeo da piada de Chico voltou a viralizar com legendas falsas, a assessoria de imprensa do autor de Roda Viva disse Ă Lupa que se tratava âtĂŁo claramente de uma brincadeira que surpreende que as pessoas nĂŁo percebam issoâ.
VĂdeos sĂŁo fontes atraentes para produção de fakes porque podem ser facilmente editados. A tĂĄtica Ă© usar trechos de gravaçÔes que existem (e sĂŁo, portanto, verdadeiras) em versĂ”es editadas, descontextualizadas e acompanhadas de letreiros ou legendas enganosas para desinformar.Â
Entre 20 de junho e 3 de julho, a Lupa desmentiu ao menos cinco publicaçÔes desse tipo envolvendo desde a cantora Anitta atĂ© o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e o presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva (PT).Â
Nesta semana, a vĂtima da vez foi Supla. Em vĂdeo viral, o cantor supostamente defende a corrupção no Brasil e afirma que âse roubar com amor, nĂŁo tem problemaâ, como se fizesse uma referĂȘncia Ă campanha eleitoral de Lula em 2022. Embora as cenas mostrem Supla dizendo essas palavras, as publicaçÔes omitem o contexto original ao incluir letreiros e narração enganosos. A fala do roqueiro Ă© de uma entrevista ao CaldeirĂŁo com Mion, da TV Globo. Ele se referia a Tom Jobim, e nĂŁo a Lula, e a uma afirmação sobre inspiração atribuĂda ao compositor carioca â como Ă© possĂvel ver acessando a Ăntegra da entrevista.
A associação de falas distintas, de diferentes contextos, para reforçar a mensagem mentirosa Ă© uma estratĂ©gia usada com frequĂȘncia. No caso do Supla, o vĂdeo utiliza trechos de outra entrevista dele, de 2021, na qual citava Lula.
No contexto polĂtico, a estratĂ©gia de editar e descontextualizar vĂdeos reais para desinformar Ă© usada para atacar ou desqualificar adversĂĄrios. Lula Ă© um alvo recorrente. No começo da semana, perfis da extrema-direita reverberaram um vĂdeo do petista com a legenda enganosa de que ele teria zombado da população e sugerido que âquem nĂŁo pode comprar picanha, que compre verdura de agricultura familiarâ.
Mas nĂŁo foi isso o que ele disse. O trecho do vĂdeo utilizado Ă© de um discurso de abril, quando Lula falou sobre a queda da inflação. Na sequĂȘncia, comentou, brincando, que jĂĄ estava conseguindo comer picanha: âEu jĂĄ tĂŽ comendo picanha com cerveja, obviamente. Quem nĂŁo come picanha pode comprar uma verdura saudĂĄvel plantada pela agricultura familiarâ, em referĂȘncia a quem nĂŁo consome esse tipo de alimento.
Outra fake envolvendo o presidente foi criada a partir da edição de duas gravaçÔes: uma de uma multidĂŁo aos gritos e outra de Lula em silĂȘncio segurando um microfone e, depois, falando com a primeira-dama, Janja Lula da Silva. Para manipular o contexto original, a edição de 20 segundos inclui uma legenda falsa afirmando que Lula teria sido vaiado e Janja o teria aconselhado a evitar um âvexame maiorâ.Â
Uma busca reversa de imagens, entretanto, indicou que o vĂdeo original foi transmitido ao vivo em maio, em SĂŁo JosĂ© da Tapera (AL). A cena do presidente em silĂȘncio foi registrada a partir de 1h06min18s, momento que Ă© interrompido devido ao desmaio de uma mulher na plateia. NĂŁo hĂĄ registro de vaias, e o post enganoso nĂŁo mostra o atendimento Ă mulher. Ou seja, o vĂdeo foi manipulado. Â
O ministro do STF, Alexandre de Moraes, tambĂ©m protagoniza com frequĂȘncia fakes nas quais suas declaraçÔes viralizam sem o contexto correto. Em uma delas, trecho de uma palestra na Faculdade de Direito da Universidade de SĂŁo Paulo (USP) foi editado e compartilhado como se ele estivesse defendendo âcativar o eleitoradoâ e âcorroer a democracia por dentroâ. Moraes, porĂ©m, citou essas estratĂ©gias como parte do mĂ©todo usado pela extrema-direita para atacar a democracia.
Jair Bolsonaro (PL) tambĂ©m nĂŁo Ă© poupado. Em outubro de 2022, trecho de uma entrevista dele ao podcast Pilhado foi compartilhado com corte e sem contexto, dando a entender que o entĂŁo presidente teria dito que Fernando Collor de Mello (PTB) seria seu ministro caso reeleito e que o governo iria âconfiscar a aposentadoria dos aposentadosâ. Mas tudo nĂŁo passou de sarcasmo e piada.Â
No universo ilimitado da internet, das cĂąmaras de eco (quando vemos nas redes sociais sĂł informaçÔes que apoiam nossas crenças e opiniĂ”es) e das bolhas nas redes sociais, vale sempre desconfiar de vĂdeos com chamadas bombĂĄsticas, conferir se hĂĄ notĂcias confiĂĄveis sobre o assunto e prestar atenção na data da gravação para evitar cair nesse tipo de mentira. NĂŁo acredite em tudo o que vĂȘ e, na dĂșvida, nĂŁo compartilhe. Afinal, nem tudo Ă© o que parece.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) â ĂłrgĂŁo ligado ao MinistĂ©rio da Justiça â determinou que a Meta suspenda o uso de dados de brasileiros com contas no Instagram, Facebook e WhatsApp para treinar sistemas de inteligĂȘncia artificial (IA). O alerta partiu do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), que sinalizou possĂveis violaçÔes de leis brasileiras e falta de transparĂȘncia. A ANPD prevĂȘ multa de R$ 50 mil por dia em caso de descumprimento. A Meta disse estar âdesapontadaâ com a decisĂŁo e que age de acordo com as leis do Brasil. Vale lembrar que os usuĂĄrios podem desativar a coleta de informaçÔes feita pela empresa. Veja aqui o passo a passo. [Luciana CorrĂȘa, editora]
Falando em Meta e IA, alguns fotĂłgrafos profissionais estĂŁo na bronca com a big tech. O motivo Ă© a inclusĂŁo da tag "gerado por IA" em posts de fotos reais, principalmente no Instagram. Dois casos chamam atenção: o uso do rĂłtulo em uma imagem da premiação da Indian Premier League de cricket e em um compilado de fotos antigas compartilhado por um ex-fotĂłgrafo da Casa Branca. O argumento dos fotĂłgrafos, cita o TechCrunch, Ă© que cortar ou editar uma foto para corrigir o brilho nĂŁo significa que ela foi âgerada por IAâ. A Meta disse que trabalha para melhorar a tecnologia e avalia uma forma de indicar a quantidade de IA usada nas imagens que recebem a marcação. [Leandro Becker, editor-chefe]
Outra polĂȘmica em torno da IA envolve a sustentabilidade. A enorme demanda por energia estĂĄ sobrecarregando a rede elĂ©trica e aumentando as emissĂ”es de carbono. O alto consumo dos centros de dados favorece o uso de combustĂveis fĂłsseis, adiando o fechamento de usinas a carvĂŁo. Enquanto isso, empresas como a Microsoft estĂŁo investindo em tecnologias de alto risco, como a fusĂŁo nuclear, vistas com ceticismo por cientistas quanto Ă sua viabilidade no curto prazo. A expansĂŁo da energia limpa Ă© crucial para a IA, mas especialistas alertam que nĂŁo existem soluçÔes milagrosas, e destacam a urgĂȘncia de abordagens prĂĄticas para enfrentar as mudanças climĂĄticas. [FlĂĄvia Campuzano, analista de Produto]
Calma aĂ, pois tem mais. O uso de IA estĂĄ no centro de mais uma preocupação: os chamados âinfluenciadores sintĂ©ticosâ, ou seja, criados a partir da tecnologia. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estĂĄ em alerta sobre como agir â e quem punir â caso haja alguma irregularidade. O temor Ă© que o atual âvĂĄcuo jurĂdicoâ favoreça a utilização da tecnologia como estratĂ©gia para driblar normas durante a disputa eleitoral, alĂ©m de propagar desinformação ou promover ataques e discurso de Ăłdio. Outro desafio Ă© a falta de clareza sobre quem deve responder judicialmente nesses casos: o desenvolvedor da IA ou quem fez uso dela para infringir as regras. [Leandro Becker, editor-chefe]
Conheça nossa polĂtica de privacidade.