🔎 Golpe até para quem já caiu em golpe
#143: Como criminosos usam fakes nas redes para fisgar vítimas de fraudes (e as plataformas deixam)
Oi, aqui é Luciana Corrêa, editora da Lupa. Na edição desta semana da Lente, os repórteres Ítalo Rômany e Gabriela Soares falam de algo que nós recebemos semanalmente para checagem: golpes online que enganam e fazem as pessoas perderem dinheiro (e a paz). Pode parecer corriqueiro, mas os prejuízos são enormes. E tudo isso acontece sob o olhar condescendente das plataformas digitais. Tem também a notícia sobre a investigação clandestina feita durante o governo Bolsonaro a agências de checagem, incluindo a Lupa, que indignou a todos por aqui. Boa leitura!
Golpe até para quem já caiu em golpe
A Lupa desmente com muita frequência golpes que circulam na internet. São esquemas fraudulentos divulgados nas redes sociais que utilizam as mais diversas táticas e promessas para enganar as pessoas. Os golpistas criam falsas reportagens, que copiam o layout de veículos de imprensa para dar credibilidade ao post, produzem vídeos gerados por inteligência artificial (IA) usando figuras públicas e até prometem falsos benefícios sociais e indenizações. A audácia dos criminosos é tanta que a novidade desta semana é o “golpe em cima do golpe”, atraindo vítimas de outras fraudes online com a promessa de recuperação do dinheiro perdido em golpes passados.
O "golpe do golpe" apresenta uma ferramenta chamada “Recupera Fácil”. Em um primeiro olhar, ela soa como uma suposta prestação de serviço. "Sabia que, se você foi vítima de um golpe na internet, como fazer compras em um site de uma loja que não existe, você pode conseguir reaver o dinheiro do pix que você usou para pagar essa compra?", cita a apresentação. Para iludir as vítimas, os criminosos atribuem de forma enganosa a resolução do problema ao site Reclame AQUI. A plataforma, criada justamente para ajudar consumidores a resolverem problemas com empresas, está sendo — ironicamente — usada como pano de fundo para fraude.
Como se não bastasse, o esquema é impulsionado nas redes com depoimentos de “usuários” satisfeitos por recuperarem o dinheiro perdido com fraudes digitais. Todos falsos, é claro. A tática envolve pessoas comuns, que gravam os testemunhos combinados com seus contratantes. Em troca, recebem um pagamento por isso. Esses vídeos circulam livremente no Youtube e chegam a ser veiculados de maneira paga em anúncios do Google.
Essa prática não é novidade. A Lupa denunciou a comercialização de depoimentos falsos na internet em agosto de 2023. O método funciona como uma prestação de serviço, com avaliações de produtos que prometem, por exemplo, curar problemas de refluxo, gastrite e azia — todos sem eficácia ou comprovação científica.
Uma dessas supostas consumidoras é dona de um canal no YouTube que faz avaliações de diversos produtos milagrosos. Agora, ela aparece em um vídeo publicado em 3 de julho em que divulga o “golpe do golpe”, incluindo o link que “soluciona” o problema. "Com o Recupera Fácil tem sim como recuperar os valores perdidos", promete.
Nestes casos, o que nós, usuários das redes, devemos fazer é denunciar a publicação na plataforma. Mas nem sempre isso basta. Mesmo em casos públicos de fraude denunciados, inclusive na imprensa, as empresas continuam permitindo e lucrando com anúncios desse tipo de esquema.
Em fevereiro de 2023, por exemplo, a Lupa fez denúncias no Instagram e no Facebook de um golpe que usava um vídeo falso e manipulado por inteligência artificial do empresário Luciano Hang, proprietário da Havan, com ofertas de smartphones a R$ 149,99. O retorno da Meta foi uma resposta padrão de que o post não violava as regras da comunidade e que, portanto, não seria retirado do ar. Com o golpe do Recupera Fácil, denunciado pela reportagem da Lupa ontem, a resposta foi exatamente a mesma.
A proliferação de crimes digitais ocorre com a conivência de plataformas digitais. Além de não tomar providência após denúncias, elas lucram indiretamente. Um exemplo disso é que, até a manhã de quarta-feira (10), a Lupa identificou mais de 220 posts ativos na biblioteca de anúncios da Meta circulando com outro golpe: o de uma promoção de 25 anos do Mercado Livre, que desmentimos em junho. Os links iludem o usuário com promoções falsas com descontos de até 90% na compra de um celular novo — só que o anúncio que circula nas redes não tem qualquer vínculo com o Mercado Livre.
Publicações enganosas mudam o nome da empresa e o produto ofertado, mas o esquema é quase sempre o mesmo. Ao abrir o link, o usuário é levado a inserir dados pessoais como nome, CPF e número do cartão de crédito no ataque chamado de phishing, que expõe dados confidenciais a golpistas. Ao enviar essas informações, a pessoa corre riscos como, por exemplo, ter o cartão usado para compras indevidas pelos criminosos. Isso sem falar em quem acaba fazendo depósitos esperando produtos que nunca vão chegar.
É por isso que é essencial prestar atenção para evitar cair nesses golpes. Uma das dicas, inclusive reforçada pelo Banco Central, é não clicar em sites que peçam dados pessoais e bancários prometendo resgates ou saques de dinheiro. E o mais importante: só fornecer informações pessoais, como nome, endereço, CPF e dados de cartão de crédito, quando tiver certeza de que a empresa existe e de que o site é confiável.
Só no ano passado, estima o Serasa Experian, houve mais de 9,8 milhões de ocorrências criminosas contra empresas e consumidores no Brasil por meio de tentativa de fraudes. Isso dá quase 27 mil por dia. Portanto, em meio a falsas promessas de dinheiro fácil, depoimentos fakes de sucesso e até do “golpe do golpe”, é preciso encerrar este texto com uma verdade inconveniente: fique muito atento, pois uma hora algum desses posts vai aparecer pra você.
Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), políticos, jornalistas e agências de checagem — incluindo a Lupa — foram alvos de uma ação clandestina com uso ilegal de sistemas da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). A investigação da Polícia Federal, que veio à tona ontem (11), revelou que, após o monitoramento, a estratégia era coordenar ataques e propagar desinformação nas redes sociais. A Procuradoria-Geral da República (PGR) apontou que a organização criminosa era responsável por “ataques sistemáticos aos seus adversários” através da “obtenção clandestina de dados sensíveis e propagação de notícias falsas". [Leandro Becker, editor-chefe]
Se você faz parte do grupo de pessoas que está sempre em busca de um novo podcast para ouvir, vou indicar o episódio ‘A farra dos suplementos’, da quinta temporada do Ciência Suja. O podcast fala sobre crimes contra a ciência e, neste episódio, aborda o mercado lucrativo dos suplementos alimentares, que virou febre nas redes sociais com muitos influenciadores digitais como divulgadores e está cercado de desinformação e pseudociência. Além de muitas substâncias vendidas não terem comprovação científica, o modo como são vendidas, que inclui avaliações e depoimentos falsos, é um grande problema, como a Lupa também já mostrou (veja aqui, aqui e aqui). [Luciana Corrêa, editora]
Você viu que foi lançada uma ferramenta brasileira de IA que afirma detectar fake news? A tecnologia é resultado de uma pesquisa de Nicollas Rodrigues e Diogo Mattos, do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Redes de Nova Geração da Universidade Federal Fluminense (UFF). Combinando recursos de aprendizado de máquina e estatística, ela promete diferenciar fatos de notícias falsas a partir da análise de palavras e estruturas textuais. Em um teste avaliando mais de 30 mil mensagens publicadas no X (antigo Twitter), a precisão foi de 94%. A ideia é que a ferramenta também possa ser transformada em plugins para redes sociais e navegadores. [Victor Terra, analista de Educação]
Ideias como a que você acabou de ler são ainda mais importantes no Brasil. Afinal, somos os piores colocados em um recém-lançado ranking de 21 países que mediu a capacidade das pessoas em identificar notícias falsas online. Realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a pesquisa entrevistou mais de 40 mil pessoas. A Austrália foi o país com maior habilidade em identificar conteúdos falsos, chegando a quase 90% de êxito. A média global é de que 60% das pessoas conseguem distinguir o que é informação verdadeira e falsa — no Brasil, o índice ficou em 54%. Este fio, feito por David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, traz mais detalhes da pesquisa. [VT]
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Mais uma vez, agora aqui reafirmo: o Facebook é uma plataforma com políticas nem hipócritas. Das várias vezes que excluí minha página, fi-lo informando claramente (e com palavras um pouco menos educadas que aqui) ao escritório administrativo lá nos EUA o quanto achava isso, por entender que usam dois pesos e duas medidas em sua "políticas", me bloqueando e suspendendo por motivos banais, enquanto deixa outras coisas passarem batido! Lendo este artigo reforço minha opinião e minha conduta!
Isso só reforça a questão de que precisamos urgentemente regulamentar as mídias sociais. Não se trata de censura, mas sim criar uma forma para que as plataformas sejam no mínimo responsabilizadas por venderem espaço de mídias para golpes assim. É simplesmente absurdo o tempo e inteligências gastos para desenvolver esse tipo de "projeto", percebe-se a estrutura montada e a polícia ainda alega que não consegue impedir. Não querem na verdade, porque com certeza deve beneficiar alguém.