🔎Os Bolsonaro x STF – e o que Musk ganhou com isso
#131: Como Jair atacou o Supremo, criou "inimigo número 1" e encorajou Elon
Olá! Aqui é Leandro Becker, editor-chefe da Lupa. Nesta edição da Lente, nossa newsletter semanal sobre narrativas desinformativas, o repórter Ítalo Rômany destrincha como uma mentira dita pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) expôs a estratégia “morde e assopra” da direita para rotular o Supremo Tribunal Federal (STF) como inimigo e inocentar Jair Bolsonaro (PL) de suas teorias conspiratórias e ataques à Corte. Tem ainda dados quentinhos de um estudo sobre fakes e mudanças climáticas e uma dica de podcast para entender como os satélites do polêmico dono do X, Elon Musk, se espalharam pela Amazônia. Boa leitura!
Como os Bolsonaro mentem para fazer do STF inimigo
O embate entre o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e o ministro do STF Alexandre de Moraes municiou bolsonaristas a alavancar nas redes os ataques contra a Suprema Corte do Brasil, diante do que eles chamam de "censura" por parte da Justiça.
A ideia do STF como “inimigo número 1” ganhou impulso pela retórica golpista de Jair Bolsonaro (PL). O ex-presidente fez ataques sistemáticos à Corte para criar no imaginário popular — em especial, entre seus apoiadores — a tese de que o STF está contra o povo e a liberdade de expressão.
Mas, para o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, isso nunca ocorreu. No programa Roda Viva, da TV Cultura, na última segunda-feira (8), ele afirmou, com todas as letras, que o pai nunca fez qualquer ato ou ameaça que afrontava o STF. Mentira deslavada, como a Lupa mostrou.
As ameaças do clã Bolsonaro ao STF começaram ainda na campanha presidencial de 2018, quando o agora deputado federal Eduardo Bolsonaro publicou um vídeo afirmando que bastava "um soldado e um cabo" para fechar a Corte.
Entre 2019 e 2022, a Lupa identificou ao menos 20 ataques de Bolsonaro ao STF e seus ministros, muitos com ameaças golpistas. Entre elas, a mais citada e repetida: reagir fora "das quatro linhas da Constituição", caso o STF também jogasse fora deste limite (ainda que falas indicassem uma interpretação bastante livre do ex-presidente sobre o que seriam as quatro linhas da Constituição).
Em maio de 2019, uma manifestação em defesa do então presidente em Brasília levou apoiadores a empunhar cartazes chamando os ministros do STF de "traíras". À época, os alvos preferenciais eram Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Bolsonaro não participou do ato, mas deixou recado: "É uma manifestação [...] com respeito às leis e instituições. Mas com um firme propósito de dar um recado àqueles que teimam (em), com velhas práticas, não deixar que o povo se liberte”.
Na pandemia da Covid-19, as ofensivas ganharam mais fôlego. Bolsonaro usou a ONU como palanque para atacar o STF com factóides, ao afirmar que, por decisão da Corte, "todas as medidas de isolamento e restrições de liberdade foram delegadas a cada um dos 27 governadores das unidades da Federação". A tática era se eximir de seu papel na crise sanitária, ao afirmar que o Supremo determinou “que as ações diretas em relação à Covid-19 são de responsabilidade de estados e municípios”.
Era mentira. O STF julgou três ações e entendeu que os governadores e prefeitos tinham autonomia para traçar planos de combate à pandemia em seus respectivos territórios, mesmo que eles fossem contrários aos sugeridos pela União. Não adiantou desmentir e explicar, a versão de Bolsonaro foi novamente replicada nas redes sociais.
A escalada de ofensas se intensificou quando o ex-presidente se viu encurralado por medidas do STF contra o seu governo. Com isso, o inimigo número 1 de Bolsonaro ganhou rosto, nome e sobrenome: Alexandre de Moraes. Vale lembrar que o ministro hoje é relator de ao menos quatro inquéritos que investigam o ex-presidente e seus aliados, dentre eles o das fake news, que leva em conta os ataques, sem provas, feitos pelo ex-presidente ao sistema eleitoral do país.
Um dos primeiros levantes de Bolsonaro contra Moraes foi em abril de 2020. À época, o ex-presidente afirmou que respeitava a Constituição, mas que "tudo tinha um limite". Isso porque Moraes havia anulado a nomeação de Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. "Ontem quase tivemos uma crise institucional, quase. Faltou pouco", disse Bolsonaro.
Em 7 de setembro de 2021, em ato na avenida Paulista, Bolsonaro subiu o tom e fez ameaças diretas à democracia. Chamou Moraes de "canalha", afirmou que não cumpriria qualquer decisão do STF e que não participaria de uma "farsa" — referindo-se ao sistema eleitoral — patrocinada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), à época o ministro Luís Roberto Barroso.
A ofensiva deu algum resultado. Dados do CrowdTangle, ferramenta de monitoramento de posts que circulam no Facebook, mostram um pico de publicações nos dias 7 e 8 de setembro defendendo o discurso golpista feito em São Paulo. Foram ao menos 14 mil posts e mais de 234 mil interações que mencionavam o ato de Bolsonaro.
Houve outros episódios, ao contrário do que disse seu filho Flávio, nos quais Bolsonaro deixou claro que o STF era um inimigo:
"Não teremos outro dia como ontem. Chega [sobre operação policial ordenada pelo STF que atingiu bolsonaristas no inquérito das fake news]" — maio de 2020
"Nas ruas já se começa a pedir que o governo baixe um decreto. Se eu baixar um decreto, vai ser cumprido, não será contestado por nenhum tribunal" — maio de 2021
"Há muito, os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, extrapolam com atos os limites constitucionais" — agosto de 2021
"A hora dele [Alexandre de Moraes] vai chegar porque está jogando fora das 4 linhas da Constituição há muito tempo" - agosto de 2021
"Se não tem ideias, cala a boca. Bota a tua toga e fica aí. Não vem encher o saco dos outros" — março de 2022
Desde que perdeu a eleição de 2022, Bolsonaro vive um "morde e assopra" com o STF. Os ataques continuam. Em entrevista a um canal português, em fevereiro, ele afirmou que ministros do STF trabalharam para eleger Lula "a qualquer preço". Por outro lado, diante do avanço das investigações do inquérito das milícias digitais, amenizou o tom. "O que eu busco é a pacificação", disse em ato realizado na avenida Paulista alguns dias depois.
Fato é que, apesar do tom "pacifista", os ataques ao STF, especialmente ao ministro Moraes, mantêm aceso o fetiche de bolsonaristas nas redes e criaram terreno fértil para a semente plantada por Elon Musk. Parte da população compra o discurso do dono do X porque está acostumada a ser estimulada pela retórica desinformativa da família Bolsonaro, que coloca o Supremo como inimigo do povo. Retórica essa que, apesar das fartas evidências que a põem em xeque, persiste como estratégia — a ponto de o senador Flávio mentir ao vivo na televisão.
A relação de Musk com o ex-presidente Bolsonaro foi marcada pela chegada de negócios do bilionário ao Brasil, entre eles a rede de satélites Starlink, que levou internet a cidades amazônicas até então com pouca ou nenhuma conexão. Mas os impactos da Starlink são complexos e vão de facilitar atividades de garimpo e desmatamento ilegal a pontos nebulosos sobre compartilhamento de dados — sem excluir o direito à comunicação. Para entender o “resumo da ópera”, com destaque para as trocas de e-mails que mostram como se desenrolaram os acordos com o Ministério das Comunicações bolsonarista, a dica é ouvir o episódio “Caixa de Ferramentas”, do podcast Rádio Novelo Apresenta. [Nathallia Fonseca, editora]
Organizações médicas e em defesa das mulheres acusam o presidente da Argentina, Javier Milei, de propagar desinformação contra a lei que permite o aborto no país. O governo Milei coloca a norma em dúvida tanto em posts quanto ao ignorar os mais de 245 mil abortos legais já feitos. Em um dos ataques, Milei classificou o aborto como “assassinato”. O discurso é semelhante ao usado por Bolsonaro nas eleições de 2022, quando ele acusou Lula de apoiar o aborto e “incentivar a mãe a matar o próprio filho”. Coincidência ou não, com a ofensiva de Milei, o tema voltou a ser alvo de desinformação no Brasil, puxado pela mentira de que Lula havia liberado o aborto. [Por Leandro Becker, editor-chefe]
Pesquisa Reuters Digital News Report em 46 países apontou níveis de desinformação sobre mudanças climáticas três vezes maior nos Estados Unidos (35%) do que no Japão (12%). Segundo o estudo, políticos, formadores de opinião e grupos alinhados com os interesses dos combustíveis fósseis continuam a ignorar o consenso científico e a menosprezar as políticas verdes. E pior: ambientalistas afirmam que está rolando um boom de negação das mudanças climáticas, com anúncios enganosos no Facebook e hashtags virais como #climatescan no X. Outra avaliação é que, desde que o Elon Musk comprou a rede social, o abuso dos negacionistas do clima cresceu e não é mais possível moderar o conteúdo prejudicial adequadamente. [Por Evelin Mendes, editora]
Talvez você já tenha ouvido que uma fake pode até matar. Não é exagero. Em Moçambique, o pânico causado por uma onda de desinformação sobre cólera matou pelo menos 96 pessoas no último domingo. As autoridades disseram que o grupo tentava fugir para chegar a uma ilha em um barco de pesca improvisado — e superlotado — que afundou. Mas não há vítimas só de acidentes. Em dezembro passado, a polícia informou que ao menos cinco líderes locais e técnicos de saúde foram assassinados por moradores pela falsa acusação de terem levado a cólera às comunidades. O surto no país já provocou 15 mil casos da doença e 32 mortes desde outubro passado, segundo o governo. [Por Leandro Becker, editor-chefe]
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