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#133: Uma imagem vale mil palavras (e talvez 1 milhão de pessoas em atos pró-Bolsonaro)
Olá! Aqui é Leandro Becker, editor-chefe da Lupa. Nesta edição da Lente, nossa newsletter semanal sobre narrativas desinformativas, os repórteres Ítalo Rômany e Gabriela Soares explicam uma tática desinformativa usada por políticos para mostrar poder: inflar usando imagens falsas ou antigas a participação popular em atos públicos — como fez Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores no domingo passado. Também falamos sobre o possível banimento do TikTok nos Estados Unidos com o apoio de críticos à liberdade de expressão no Brasil e uma dica de podcast para quem curte o combate a fakes na ciência.
O que há por trás das fakes que tentam inflar números de público em atos políticos
O uso de conteúdos fakes para inflar os números de público em atos de Jair Bolsonaro (PL) é estratégia recorrente na narrativa de que o ex-presidente desfruta de apoio massivo por onde quer que passe. E voltou a aparecer depois do ato promovido no último domingo (21), no Rio de Janeiro. Apoiadores compartilharam nas redes vídeos antigos fora de contexto com o objetivo de aumentar a adesão — que, segundo estimativa de monitor público da USP, foi de 32 mil pessoas.
Vídeos feitos no ato promovido por Bolsonaro no mesmo local em comemoração aos 200 anos de Independência do Brasil, em 7 de setembro de 2022, voltaram a circular já na tarde de domingo. Não fossem detalhes dos próprios registros — alguns nada discretos —, as imagens da multidão de verde e amarelo reunida na praia passariam por atuais.
Em um desses vídeos tirados de contexto era possível ler a data “07-09-2022”. Com essa informação, não foi difícil localizar a publicação original, compartilhada por um perfil no Kwai no dia seguinte ao registro, em 8 de setembro de 2022. A posição do palanque também mostra que o registro é antigo — em 2022, o veículo foi posicionado na frente dos prédios, enquanto em 2024, está paralelo à rua, como mostrou a Lupa.
Como efeito da estratégia, apoiadores comemoraram a “demonstração de força” nos comentários dos vídeos.
Outro perfil repostou e descreveu a cena como “espetacular”.
Em outro vídeo, o que denuncia a mentira são as posições dos caminhões e de alguns cartazes — diferentes em 2022 e 2024. Indícios bem mais discretos, que poderiam passar despercebidos no rolar de feed da rede social.
Acima, à esquerda, um trecho do vídeo de 2022, que circulou como atual. À direita, a manifestação do último 21 de abril. Os dois registros são de Copacabana, mas a posição do palco é diferente.
Essa estratégia não é de agora. De julho de 2022 a abril de 2024, ao menos 11 conteúdos com o mesmo objetivo de aumentar, e muito, a dimensão dessas manifestações foram checados pela Lupa.
Um exemplo foi em fevereiro deste ano, quando Bolsonaro reuniu aliados na Avenida Paulista para se defender das investigações sobre tentativa de golpe. Na ocasião, posts alegaram que a Polícia Militar de São Paulo estimou que mais de 300 milhões de pessoas participaram do ato. O Brasil não tem nem sequer esse número de habitantes, mas houve quem acreditasse — e não se deve subestimar o impacto que uma leitura rápida de publicações como essa pode causar.
Em abril do ano passado, circulou o vídeo de uma extensa fila de carros, supostamente em carreata na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), em apoio ao retorno de Bolsonaro ao Brasil após três meses nos Estados Unidos. As imagens eram de 3 de maio de 2020, de um ato contra o isolamento social pela pandemia de Covid-19, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Um vídeo mais antigo, que circulou em setembro de 2021, mostra uma multidão aos gritos de “mito” em um aeroporto, comemorando a chegada de Bolsonaro aos Estados Unidos para discursar na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). A gravação foi tirada de contexto e, na verdade, é de 2017 e no aeroporto de Natal (RN). Muitos quilômetros de distância…
Há mais táticas para forjar adesão a movimentos políticos. Aumentar a lista de seguidores de políticos também conta na guerra pelo título de “mais popular entre os brasileiros”. No primeiro dia da campanha eleitoral de 2022, apoiadores de Bolsonaro e Lula utilizaram robôs para impulsionar seus candidatos no X, segundo a ferramenta Pegabot. O levantamento mostrou que uso foi mais intenso entre bolsonaristas, com 50% dos retuítes criados artificialmente, em comparação a 25% entre os apoiadores do petista. Já o Bot Sentinel mostrou, em abril de 2022, que 64% dos novos seguidores de Bolsonaro e aliados no X à época eram, na verdade, robôs.
Apesar de estar inelegível até 2030, Bolsonaro mantém apoiadores fiéis ao seu projeto político. As imagens dos atos recentes não deixam dúvidas. O objetivo de reciclar imagens antigas para fazer parecer que esse número de apoiadores é ainda maior é mostrar força ao eleitorado, a quem não esteve lá, para manter a conexão com os apoiadores e preocupar opositores. Essas mentiras também alimentam teorias conspiratórias, como a da fraude nas urnas ou a de que o sistema eleitoral não é seguro. Uma escalada em que a verdade vai se distorcendo até que se perca de vista.
Se você se sente perdido e desconfiado entre o que é de fato científico e o que é pseudociência, considere conhecer (caso ainda não conheça) o podcast Ciência Suja. Feito por um time de jornalistas, o podcast conta histórias de fraudes científicas e seus prejuízos para a sociedade. Navegando pelos episódios você vai encontrar assuntos que de vez em quando também são desmentidos ou explicados na Lupa: negacionismo climático, desinformação em saúde, divulgações científicas enviesadas e incorretas que geram desinformação. Há algumas semanas, o Ciência Suja reuniu especialistas para falar sobre o surto de desinformação sobre a dengue. Vale o clique. [Luciana Corrêa, editora]
O TikTok pode ser proibido nos Estados Unidos em 2025. O presidente Joe Biden sancionou nesta semana a lei que obriga a plataforma da chinesa ByteDance a ter um dono no país. Caso contrário, a rede será banida. A lei se baseia na alegação de que a empresa coleta dados confidenciais e pode compartilhá-los com o governo chinês, o que a empresa nega. Antes de Biden, o projeto de lei teve aval da Câmara e do Senado, inclusive com apoio de membros do Comitê que acusou o Brasil de censura por conta de pedidos judiciais para remover posts. O presidente-executivo do TikTok, Shou Zi Chew, lembrou os valores americanos e a liberdade de expressão para contestar a decisão e disse que “os fatos e a Constituição estão ao nosso lado”. [LC]
A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e o hacker Walter Delgatti Neto foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelas invasões aos sistemas do Poder Judiciário, entre agosto de 2022 e janeiro de 2023. Eles também responderão por falsidade ideológica. Conforme a denúncia, sob o comando de Zambelli, Delgatti violou os sistemas, adulterou credenciais de servidores e magistrados e inseriu documentos falsos para desmoralizar o Judiciário. Em janeiro de 2023, Delgatti inseriu um falso mandado de prisão contra Alexandre de Moraes assinado pelo próprio ministro do STF. O episódio foi usado por apoiadores de Bolsonaro que questionavam a lisura das eleições compartilhando inúmeras fakes. [Maiquel Rosauro, repórter]
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