🔎 Venezuela ressuscita uma fake made in Brasil
#146: Desinformação sobre urnas eletrônicas volta a circular no Brasil antes da campanha eleitoral
Oi, aqui é a Luciana Corrêa, editora-chefe interina da Lupa, e nesta semana a Lente trata de um assunto que dominou o noticiário político mundial, especialmente na América Latina: a crise na Venezuela. A repórter Carol Macário mostra, destrinchando uma fake que circulou nos últimos dias, como a situação no país vizinho vem sendo usada para requentar mentiras e acusações sem provas contra o sistema eleitoral brasileiro. Boa leitura e ótimo fim de semana pra você.
Crise na Venezuela reacende fábrica de fakes sobre fraude eleitoral no BrasilTexto
Até a manhã de 2 de agosto, cinco dias após as eleições, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela ainda não tinha publicado os resultados detalhados do pleito realizado em 28 de julho e o site seguia fora do ar. O Ministério Público do país alegou um ataque hacker promovido por opositores. Já o presidente Nicolás Maduro, cujo governo controla o MP, acusou o empresário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), de estar por trás do suposto ataque.
A ausência dos dados totais não desmotivou o órgão a anunciar na madrugada do dia 29 um boletim parcial da votação informando que Maduro fora reeleito para um terceiro mandato — ainda que a oposição, até o momento, não reconheça esse resultado. A demora para apresentação das atas eleitorais é tamanha que já virou piada por lá.
O caos eleitoral no país vizinho não se restringe à falta de transparência, aos protestos e às denúncias de pessoas que tiveram o acesso aos locais de votação dificultados. Conteúdos falsos circulam pelas redes sociais do país e atrapalham a apuração e divulgação de notícias verdadeiras.
Só que as fakes sobre a situação política venezuelana atravessaram as fronteiras e reacenderam nas redes sociais a chama da desinformação sobre eleições brasileiras e sobre a falsa narrativa de que as urnas eletrônicas podem ser fraudadas — o que não é verdade. Por aqui, conteúdos sobre a Venezuela foram reciclados e têm sido compartilhados por perfis de extrema direita para criticar o sistema de votação do Brasil.
É o caso de um post que viralizou na segunda-feira (29) via WhatsApp que alegava, sem qualquer fonte, que na Venezuela é permitido filmar o momento da votação e que essa é a diferença entre o Brasil e o país vizinho, como se a gravação do ato fosse uma forma de “comprovar” o voto e evitar as fraudes nunca comprovadas nas urnas brasileiras.
A informação, no entanto, não procede. Ao consultar a Lei Orgânica dos Processos Eleitorais do país, encontramos o artigo 292, que estabelece que nenhum eleitor “poderá utilizar equipamento fotográfico ou equipamento audiovisual eletrônico durante o processo de votação”.
As patacoadas eleitorais na Venezuela impulsionaram, por aqui, um aumento de publicações sobre fraude no sistema brasileiro. Uma busca pelos termos “fraude urna eletrônica” no CrowdTangle, ferramenta de monitoramento de redes sociais, mostrou um pico de menções a essa expressão no Facebook em 29 de julho, dia seguinte à votação no país vizinho.
Políticos de extrema direita se aproveitaram da bagunça alheia para tentar promover um “retorno de zumbis” ao ressuscitar o discurso mentiroso de fraude nas urnas brasileiras. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), por exemplo, alegou que o pai, Jair Bolsonaro, tornou-se inelegível pelo que é agora “a âncora para o mundo inteiro tirar a prova real se houve fraude nas eleições venezuelanas”, ou seja, “urna eletrônica com comprovante impresso que permita a auditoria, a recontagem pública dos votos, um a um, no papel, pra checar se bate exatamente com os votos eletrônicos”.
As principais denúncias de fraude sobre as eleições venezuelanas não dizem respeito às urnas eletrônicas em si, mas ao processo como um todo: observadores internacionais foram barrados de entrar no país; há relatos de restrições a votos de venezuelanos no exterior; e María Corina Machado, principal nome da oposição, teve a candidatura invalidada; entre outros casos. Acima de tudo, a oposição alega desconfiança nos responsáveis por administrar o sistema e atraso na divulgação dos resultados finais pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) da Venezuela — que é controlado pelo governo de Nicolás Maduro. No Brasil, o equivalente é o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), órgão de estado que exerce um poder distinto e independente de quem está no governo.
Até o envio da Lente, ainda não havia sido divulgado o resultado final, tampouco as atas e os boletins de urna. A Suprema Corte da Venezuela, alinhada ao presidente, agendou para a tarde desta sexta (2) uma reunião com os dez candidatos para o início de uma auditoria da eleição.
Em outro exemplo de reciclagem da crise política no país vizinho para atacar o sistema de votação do Brasil está um post segundo o qual a Venezuela seria “uma prova de que a eleição é fraudada bem antes da eleição”. Na publicação, o autor sugere que o fato de a justiça eleitoral “proibir” que o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fosse chamado de “ladrão”, entre outros pontos, seria uma forma de promover um desequilíbrio e fraude antecipada das eleições no Brasil.
Essa teoria não procede. Nas eleições de 2022, a corte eleitoral tentou coibir a disseminação de conteúdos comprovadamente falsos sobre todos os candidatos. No caso de Lula, por exemplo, uma decisão do TSE mandou remover posts que, sem provas, acusavam o petista de ter ligações com o PCC. Já no caso de Bolsonaro, a corte eleitoral proibiu a campanha de Lula de publicar posts associando o ex-capitão do Exército ao canibalismo.
Faltando três meses para as eleições municipais no Brasil, esperamos que o zumbi da desinformação sobre as urnas — que tem sono leve e foi cutucado pela crise venezuelana —, volte para as catacumbas e não venha nos assombrar.
Temos um convite para você: a Lupa lança na próxima semana a newsletter gratuita Ebulição, que apresentará os assuntos que estão pegando fogo em grupos públicos no WhatsApp e no Telegram durante a campanha eleitoral. A newsletter terá duas edições por semana sobre o pleito no Rio de Janeiro e outras duas sobre São Paulo. O conteúdo será produzido a partir da ferramenta de monitoramento desenvolvida pela Palver, parceira da Lupa no projeto. Aproveite e assine aqui. [Flávia Campuzano, analista de Produto]
Diante do avanço da inteligência artificial (IA) e de seu uso maléfico na produção de conteúdos falsos nas eleições, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) desenvolveu o uIAra, um sistema de IA para auxiliar a Justiça Eleitoral na identificação de áudios manipulados ou sintetizados para parecerem autênticos. Exclusivo para o TRE-PB nestas eleições, o uIAra tem como objetivo garantir a segurança da informação. A Lupa mostrou em reportagem publicada em fevereiro que a disseminação de áudios falsos já é uma realidade, a exemplo do caso do prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), que teve um áudio manipulado circulando em grupos do WhatsApp, com ataques aos professores do município. [Ítalo Rômany, repórter]
Ainda no mundo da IA, a OpenAI anunciou o SearchGPT, seu mecanismo de busca baseado em inteligência artificial que promete competir diretamente com os buscadores rivais do Google e da Perplexity. Por enquanto, o SearchGPT estará disponível como um protótipo, em versão limitada, com planos de integração futura com o ChatGPT. Diferentemente dos mecanismos tradicionais, o buscador não apenas lista links, mas também tenta organizá-los e dar contexto e referências sobre a informação buscada. Em um exemplo da própria OpenAI, uma busca sobre festivais de música gera um resumo das descobertas, com descrições curtas dos eventos e os links de referência. [FC]
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