🔎 Desinformação em três atos
#155: Checagem dos debates de Poa, Rio e São Paulo expõe estratégia desonesta de candidatos
Oi. Aqui, Natália Leal, diretora-executiva da Lupa. Hoje trazemos um apanhado das principais narrativas desinformativas dos últimos debates deste primeiro turno em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo. Nosso time verificou, ao vivo e simultaneamente, os três eventos, algo inédito na história do fact-checking brasileiro. Com isso, mostramos que uma mentira é sempre uma mentira: não importa quantas vezes ela seja repetida, não vai virar uma verdade. É óbvio, mas parece que, em eleições, o pessoal esquece. Boa leitura!
Desinformação em três atos: acusações e dados falsos em Porto Alegre, Rio e São Paulo
Em geral, debate eleitoral é o momento em que a desinformação reina. Tem o nervosismo e o erro, claro. Mas muitos candidatos usam o espaço para espalhar informações falsas com o objetivo de prejudicar seus adversários ou encobrir seu próprio histórico. E isso foi visto nos três debates checados simultaneamente pela Lupa na noite desta quinta-feira (3): São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, todos transmitidos pela Globo.
O prefeito e candidato à reeleição em Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), tentou minimizar sua responsabilidade sobre as enchentes que afetaram a cidade em maio. “O sistema de proteção de cheias é uma responsabilidade do governo federal”, afirmou. É falso, e ele já foi desmentido. Mas insistiu na declaração.
A Constituição Federal estabelece que gestores municipais e estaduais também têm responsabilidades relacionadas à proteção contra cheias. Ou seja, não é um dever apenas do governo federal.
O artigo 30, inciso VIII, por exemplo, indica que é da competência municipal a promoção do “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”.
O artigo 23, inciso VI, por sua vez, prevê que é responsabilidade comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios proteger o meio ambiente e o combate à poluição “em qualquer de suas formas”.
A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC) determina que União, estados, Distrito Federal e municípios devem realizar uma atuação articulada para redução de desastres e apoio às comunidades atingidas. O texto divide as atribuições de cada órgão, e cabe aos municípios a execução da PNPDEC “em âmbito local”.
Enquanto Melo tentava convencer a população de que não tinha responsabilidade sobre as enchentes, o candidato à prefeitura do Rio de Janeiro Rodrigo Amorim (União Brasil) tentava minimizar sua condenação imposta pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro. No debate, ele afirmou que responde por um “crime de opinião” – o que é falso.
Na verdade, o candidato foi condenado por violência política de gênero (tema tratado na Lente #153), porque, em 17 de maio de 2022, chamou a vereadora de Niterói Benny Briolly (PSOL), que é transexual, de “boizebu” e “aberração da natureza”, entre outras ofensas e humilhações.
O Ministério Público Federal caracteriza o crime eleitoral de violência política de gênero pelo "assédio, constrangimento, humilhação, perseguição ou ameaça, fora ou dentro do meio virtual, contra candidatas ou políticas ocupantes de cargos eletivos, com a finalidade de impedir ou dificultar a sua campanha eleitoral ou seu mandato eletivo, com menosprezo ou discriminação em relação a seu gênero, cor, raça ou etnia".
Dois anos depois, o TRE-RJ condenou Amorim e, um dia antes do debate, na quarta-feira (2), o mesmo tribunal decidiu, por unanimidade, que ele deve ficar inelegível por isso. Cabe recurso, logo, o candidato segue na disputa e estava no debate, proferindo essa e outras mentiras repetidas à exaustão por ele durante a campanha.
Já em São Paulo, o destaque ao longo dos últimos meses foi o uso sistemático de acusações sem provas por parte de Pablo Marçal (PRTB). A edição passada da Lente foi toda dedicada a isso – e à análise de como o uso dessas acusações resultou em uma campanha desinformativa, violenta e polarizada. O debate de ontem começou bem, mas descambou lá pela metade para o ataque generalizado.
Depois de dizer que a morte do pai de Tabata Amaral (PSB) teria sido culpa da própria família; depois de chamar José Luiz Datena (PSDB) de “Jack”, termo que faz alusão a condenados por crimes sexuais, especialmente estupro; depois de insistir que Ricardo Nunes (MDB) seria preso por corrupção, Marçal voltou a insinuar que Guilherme Boulos (PSOL) é usuário de drogas. O detalhe: Marçal já foi obrigado pela Justiça Eleitoral a publicar no Instagram e no TikTok um vídeo de resposta gravado por Boulos, justamente por conta desta acusação infundada. Ou seja, Marçal sabe muito bem que isso vai contra as regras eleitorais, mas segue fazendo.
“Você imagina alguém falar de segurança pública, que quer descriminalizar a polícia, descriminalizar as drogas, alguém que deve conhecer melhor a cidade de São Paulo na questão de biqueiras, que eu não conheço nenhuma, ele deve conhecer várias.”
A insinuação levou Boulos – que parecia pronto para reagir quando a acusação de ser usuário de drogas viesse – a infringir uma das regras do debate da Globo: nenhum candidato poderia mostrar nenhum tipo de documento. Boulos tirou do bolso um papel e postou nas suas redes sociais um exame toxicológico com resultado negativo.
Em sua resposta, Boulos lembrou que a campanha de Marçal usou um processo judicial sobre posse de drogas no qual figura como réu um homônimo do candidato do PSOL.
O primeiro turno da campanha eleitoral chega ao fim neste sábado (5), mas estamos longe de resolver a questão do uso sistemático de desinformação como arma política. Para quem está na linha de frente no combate à desinformação, fica a pergunta: como e quando haverá uma ação que possibilite voltarmos a um cenário menos polarizado e de respeito mútuo no campo político?
Mentira e falsidades sempre existiram – e acabar com isso é uma utopia da qual não temos pretensões. Acabamos de apontar três discursos recorrentes nesta campanha, de políticos que usam a desinformação para moldar a narrativa a seu favor, sem se importar com a precisão, com a honestidade e, mais do que isso, com a responsabilidade sobre o que dizem e o que fazem. Sempre vamos apontar quando eles mentem. Porque aqui vai o que sabemos: não importa quantas vezes se conte uma mentira, ela não vira uma verdade.
Nos últimos dias, foram veiculadas notícias falsas apontando que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) teria decidido não fechar contrato com a Starlink, recusando-se a realizar negócios com a empresa e optando por estabelecer contrato com a E-Space para “lançar 8.640 foguetes em parceria, junto com o governo brasileiro”. A Anatel esclareceu que não firma contratos de prestação de serviços de telecomunicações nem parcerias com operadoras de satélites. Seu papel “consiste em elaborar as normas e expedir as autorizações para uso de satélites no Brasil, desde que atendidos os requisitos previstos em Lei e na regulamentação da Agência”. [Brenda Farfoglia, analista de Produto]
O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu, nesta segunda-feira (30), a decisão da Justiça de SP que condenava duas cientistas ao pagamento de indenização por danos morais a um nutricionista. O profissional divulgava nas redes sociais que a diabetes seria causada por vermes, associando essa desinformação à venda de um tratamento. As cientistas refutaram a alegação publicamente e foram processadas. A Justiça havia determinado a remoção de dados pessoais do nutricionista e uma indenização de R$ 1 mil. Toffoli suspendeu a condenação, e considerou que as cientistas agiram no interesse público. [Evelin Mendes, editora assistente]
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